FOTO BY ANNA CLARA CARVALHO |
Quando o filósofo alemão Walter
Benjamin usou como estímulo a obra do escritor russo da segunda metade do
século XIX, para seu ensaio “O Narrador-Considerações sobre a Obra de Nikolai
Leskov”, estava, na verdade, mostrando seu espanto diante do progressivo
definhamento da arte da narração.
Leskov, por intermédio de sua
novela O Narrador, idealizava a narrativa como uma criação absolutamente
artesanal: “Literatura para mim não é arte , mas um trabalho manual”. E
mostrava assim sua firme crença no ofício tradicional dos contadores de
histórias.
Estes,muitas vezes, velhos em seu
leito de morte que deixavam,como sua marca, um legado ancestral das verdades
humanas. A trajetória do cotidiano de suas vidas na comunidade, transmutada na
sabedoria dos que partiam para os que ainda iriam viver.
Walter Benjamin então expunha,
nas reflexões do seu livro de 1936, a amarga constatação de que a literatura
tinha perdido este purismo épico, de aporte social, filosófico e moral,
substituindo-o pelo egocêntrico brilho intelectual dos “narradores”.
E ainda lamentava ,no teatro, “o
abismo que separa os atores do público , como os mortos são separados dos
vivos” ou, a dúvida mesmo , de que algum ator fosse capaz de induzir na plateia
qualquer sentimento de êxtase ou compaixão pela morte dos outros.
Num referencial de inventiva
envolvencia, o ator/ dramaturgo Diogo Liberano transmuta estes aspectos
estético / emotivos na proposta/performance “O Narrador”, com seu Teatro
Inominável.Tendo a colaboração de seus integrantes Adassa Martins, Carolina
Helena, Flávia Naves e Natassia Velo, além de João Pedro Madureira ,
responsáveis todos pela investigação gestual da performance.
Aqui, solitário num palco
despojado, posicionado em uma cadeira com um figurino doméstico, acompanhado de
um boneco de pelúcia como único objeto cenográfico.E onde vai liberando,
vocalmente, um extenso solilóquio memorialista , na leitura de paginas atiradas
uma a uma ao chão, em procedimento comum mas de singular efeito
plástico/visual.
Abrindo mão dos elementos
puramente cênicos, faz da presença de sua própria figura humana um anti
-personagem , no realismo documental de um narrador de vivencias pessoais.Na
prevalência, inclusive, daquelas ligadas às perdas pela morte de familiares e
amigos, usando as palavras como imagens na revelação de tristes memórias.
Cartas, poemas, e mails, recados
e bilhetes, expostos em precioso tom intimista, ora numa nuance de voz mais
melancólica, ora com um sotaque de aparente firmeza , desmontado em lágrimas
reais, quando a coragem desaba diante do “belo horror da morte”, neste pensar
próximo a Walter Benjamin.
Compartilhando esta
transcendência artística que liga expressivamente Leskov, Benjamin e Liberano,
meditativas sonoridades (Rodrigo Marçal) completam, enfim, o ato mágico deste
"teatro inominável” - de contemplação da sutil reescrita das palavras
lidas por um narrador.
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