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Os Que Deixam Omelas. João Maia P/Direção Concepcional. Com João Pedro Zappa. Janeiro/2025. Beatriz Salgado / Fotos. |
Uma das conceituadas escritoras americanas de ficção científica
e realismo fantástico - Ursula K. Le Guin (1929-2018), apesar da vasta bibliografia que abrange ainda a poesia, a crítica e a
literatura infantil, tem sua obra pouco divulgada entre nós, sendo ainda a autora
do enigmático conto Aqueles Que Deixam Omelas, publicado originalmente em 1973.
Praticamente inédito, embora haja referência que teria integrado,
em limitada edição, uma antologia brasileira - Rumo à Fantasia - de contos fantásticos,
em 2009. Mas que, agora, merece uma tradução
direcionada, exclusivamente, para uma reveladora montagem reunindo uma equipe
da nova geração do teatro carioca.
Onde João Maia P, advindo de maior experiência na área cinematográfica e algumas variadas incursões no universo cênico,
faz sua estreia na direção de uma peça, em ofício dúplice ao acumular a
responsabilidade pela versão em português do conto, mantendo absoluta
fidelidade à íntegra do texto literário de Ursula
K. Le Guin.
Sob subliminar propósito de uma quase leitura dramatúrgica,
com todos os elementos estéticos de uma representação performática no formato
de um monólogo pelo ator João Pedro Zappa (também de larga trajetória entre o teatro e o cinema), capaz de provocar imediata relação sensorial/afetiva
com o público através de incisivos questionamentos evocados a partir da
sequencialidade narrativa.
Em passagens intermediadas que estabelecem um elo ator/espectador no entremeio de uma textualidade envolvente,
situada entre o seu teor poético e a instigante decifração do significado fabular,
moral e filosófico, de uma cidade idílica sinalizada pelas utópicas prosperidade
e felicidade de seus habitantes.
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Os Que Deixam Omelas. De Ursula K. Le Guin. João Maia P/Direção Concepcional. Com João Pedro Zappa. Janeiro/2025. Beatriz Salgado / Fotos. |
À custa de um atroz segredo no entorno da desgraça de apenas
um deles, isolado em funesto calabouço, uma maldição que não fica imune ao conhecimento da
comunidade, capaz até de lamentar por ele mas, ao mesmo tempo, temendo que sua
salvação possa acabar de vez com o segredo paradisíaco de Omelas.
Por este motivo de cruel insensatez, alguns preferem deixar Omelas para sempre ainda que não saibam
para onde ir, enquanto estão conscientizados de que esta partida os tornaria
passíveis à realidade crua e nua do difícil suporte da condição humana, lá fora
e além.
Na simplicidade funcional de um espaço cenográfico minimalista
(Maria Estephania), surge o personagem/narrador (João Pedro Zappa) com sua mala
de viajante e um figurino artesanal, com apliques e bordados, sob sensorial
ambiência com efeitos de luzes coloridas e sombras (Luiz Paulo Neném).
“Com um clamor de sinos
marcados pela elevação das andorinhas,
deu-se o início ao Festival de Verão da cidade de Omelas” é a frase que abre o conto de Ursula Le Guin e dá partida à inspirada releitura dramatúrgica,
pela luminosa direção concepcional de
João Maia imprimida à espontaneidade performática
de João Pedro Zappa.
Onde este "bardo viajante" vai revelando em poéticas construções
verbais, ampliadas nas variações de suas tonalidades vocais e na afetividade de
seu gestualismo corporal, que ali
prevalece a felicidade como um bem comum, sem necessidade das garantias de um
exército, de um clero ou de quaisquer tipos de dirigentes.
E, ainda, dentro deste clima de festiva e permanente alegria,
como única interveniência musical, o ator interpreta na gaita os acordes referenciais
à estação com Summertime, de Gershwin, seguidos
pelas sonoridades em off do mesmo
tema pela Preservation Hall Jazz Band.
Vez por outra, ele questiona os espectadores se eles acreditam
naquilo que estão vendo. Precedendo outras indagações, já de denúncia moral daquela
“felicidade irresponsável e insípida” em detrimento do sofrimento alheio, no egoísmo
dos que, só pensando em si próprios, preferem ignorar aquela realidade.
E é a pergunta - ainda
creem? - que vai levando, num processo de obra aberta à livre conclusão de cada integrante da plateia, enquanto a representação passa pelo corajoso desafio de enfrentar a escuridão do desconhecido, dando seu recado de
reflexiva postura moral e filosófica, para todos Aqueles Que Deixam Omelas,
sob um despretensioso mas imperdível encontro fabular entre a literatura e o teatro...
Wagner Corrêa de
Araújo
Aqueles Que Deixam Omelas está em cartaz no Teatro Poeirinha,
Botafogo, terças e quartas feiras, às 20h, até o dia 26 de fevereiro.