JACKSONS DO PANDEIRO : BRASILIDADE MUSICAL SOB SINGULAR COREODRAMATURGIA

Jacksons do Pandeiro. Direção/Duda Maia. Janeiro 2022. Fotos/Renato Mangolin.


Dando continuidade a um ideário de tributo à mais autêntica brasilidade literária/musical, já exemplarmente demonstrada em criações anteriores (Macunaíma-Uma Rapsódia Musical e Suassuna-O Auto do Reino do Sol) a original cia Barca dos Corações Partidos está de volta, presencialmente, com Jacksons do Pandeiro.

Desta vez, para registrar o centenário (ocorrido em 2019) de nascimento de um bardo da cultura popular nordestina, refletido através da fusão corporal de singulares ritmos dançantes - frevos, cocos, emboladas, xaxados, baiões - ao múltiplo uso performático de instrumental típico ao vivo (zabumba e sanfona, pandeiros e tamborins, rabecas e violas).

Em transcendente redenção, ao compasso da contemporaneidade, de seu crescente regionalismo rítmico/vocal, com explosivo sucesso musical/radiofônico a partir dos anos 50. E pelo desafio ao seu perceptível esquecimento, eclipsado por gêneros de instantâneo apelo comercial, como o meloso sertanejo ou a apelativa provocação do funk.

Na envolvente concepção cênica/dramatúrgica, com prevalência estética de um teatro musical/coreográfico, mais um dos surpreendentes comandos direcionais de Duda Maia, em sua parceria com a Cia. Barca dos Corações Partidos, aqui, via metafórica pluralidade na nominação titular, para o espetáculo Jacksons do Pandeiro.

Sob dramaturgia dúplice de Bráulio Tavares e Eduardo Rios e itinerário musical em duo (Alfredo Del Penho e Beto Lemos). Com incursões em quase sessenta composições, representativas da trajetória artística/biográfica de um mestre nordestino dos ritmos populares brasileiros.

Sustentada, ora na apresentação do cancioneiro em seu formato primitivo, ora por reveladora releitura autoral de cada integrante fixo do elenco (Adrén Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios, Fábio Enriquez, Renato Luciano, Ricca Barros). Transmutando um antológico repertório musical em criativo roteiro que conecta estas experiências personalistas, de arte e de vida dos atores, com as do já centenário cantor/compositor paraibano.

Jacksons do Pandeiro. Cia Barca dos Corações Partidos. Janeiro 2022. Foto/Renato Mangolin.

Funcionando com sensorial dimensionamento através das inusitadas personagens femininas assumidas por Luiza Loroza, a única atriz/cantora da peça (na similar condição de outros dois competentes intérpretes convidados - Everton Coroné e Lucas dos Prazeres) pela simbólica representatividade de Almira e das mulheres na travessia existencial de Jackson do Pandeiro.

Onde a caixa cênica, na projeção de André Cortez, é preenchida por uma instalação plástica em dois planos, por intermédio de barras e rampas, suporte móvel elástico e uma tela/palco frontal, com luzes irradiantes de efeitos cinéticos do teto às laterais (Renato Machado).

Em que o traçado dos figurinos (Kika Lopes e Rocio Moure) remete à lembrança de trupes ambulantes em feiras populares apresentando autos nordestinos, com um sotaque circense/medieval na profusão de tons aquarelados sobre cetins e malhas, completados por decalques e bordados, além dos muitos brilhos faciais.

Possibilitando o desenrolar de uma linguagem híbrida de teatro/dança, através da encenação musical/coreográfica de intensa força imersiva, capaz de promover uma carismática interatividade dos acordes rítmicos com a textualidade poético/dramatúrgica das canções.

E, por vezes, de sugestionar, no plano específico de seu livre e autônomo conceitual para um teatro musical/coreográfico brasileiro, a pulsão de avançados experimentos na busca destas contrações musculares/gestuais na corporeidade dançante (desenvolvida referencialmente, hoje, pelo coreógrafo alemão Marco Goecke).

A cada dia e em cada espetáculo, se tornando uma marca singular de extrema expressividade estética, o diferencial vocabulário do movimento que Duda Maia imprime ao corpo cênico, com seu luxuoso desdobramento performático, vocal e instrumental, para a sempre incrível Barca dos Corações Partidos.


                                          Wagner Corrêa de Araújo


Jacksons do Pandeiro está em cartaz na Cidade das Artes/Barra, de quinta a sábado, às 20h30m, domingo, às 18h. Até 30 de janeiro. Janeiro/2022. Fotos/Renato Mangolin.

DO PALCO AO COSMOS : SOB BREVE INVENTÁRIO CRÍTICO, TRIBUTO MEMORIAL A UMA GRANDE ESTRELA

 

 

                                                                    

Jazz no Coração. Espetáculo em dúplice ideário por Françoise Forton e Delson Antunes. Agosto de 2014. Foto/Guga Melgar

      

Excertos de críticas publicadas no blog autoral Escrituras Cênicas para ressaltar, através das poéticas e reflexivas palavras do Rosa da prosa, que "as pessoas não morrem, ficam encantadas”. E é neste processo de mágico encantamento que se perpetua, agora, a passagem definitiva da carismática atriz Françoise Forton, do sucesso dos palcos brasileiros ao brilho eterno no universo cósmico das estrelas.

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“Ainda não consegui fazer filosofia, versos ou colar retratos aqui (...) Queria voltar ao atelier, leiloar tudo se necessário. Mas sentir as mãos livres, os passos soltos! Minha vida chega a um impasse...

A partir de reflexões como esta, em formato de prosa poética, a concepção conjunta, da atriz Françoise Forton e do dramaturgo Delson Antunes, conduz a um inventivo e envolvente inventário poético/teatral em torno da obra de Ana Cristina Cesar, no espetáculo Jazz do Coração.

Num suporte minimalista, a montagem fala, com rara emoção, de um tempo quase ancestral diante do que viria, a seguir, com as especificidades virtuais da geração internet.

Complementada na sensitiva representação de Françoise Forton que alcança o sotaque necessário para o complexo e, às vezes, difícil relacionamento entre a linguagem poética pura e a performance teatral, campo de indiscutível experiência e domínio do diretor Delson Antunes".

                                  (Jazz no Coração, agosto de 2014)

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“Com seu timbre vocal de seguro alcance, Mauríco Baduh é o par ideal para a tessitura de Françoise Forton, esta mais comedida dentro de um assumido dimensionamento melodramático.

Mas de perceptível envolvência psicofísica para falar bem de perto aos ouvidos, corações e mentes de cada espectador, ampliado no seu sensorial e simpático gestualismo, entre o canto e o teatro, imprimido por Marina Salomon.

Despretensiosa, mas elegante, é assim a  funcional sutileza estética que a direção de André Paes Leme confere ao espetáculo,  favorecendo o clima da representação, ao qual nunca falta o entretenimento lúdico aliado a uma nuance reflexiva".

                              ( Um Amor de Vinil, maio de 2017)



Um Amor de Vinil. Françoise Forton e Maurício Baduh. Maio de2017. Foto/Pedro Murad.


Entre os anos 60/70, existiam dois Brasis. Um sombrio, outro sob refletores. Um de fardas e coturnos, outro de jaquetas de couro e saltinhos elegantes; um de tanques, outro de lambretas. Um de hinos oficiais, outro de rockinhos nacionais.

E é para ali  que os sonhos dos personagens de hoje convergem, num mix de épocas marcado pela alegria de viver, na peça/musical  de Flávio Marinho – Estúpido Cupido.

Expert numa dramaturgia de memórias antigas para um tempo presente, o autor se inspirou na novela homônima da tevê, para recriar um universo cujo  único elo está na Tetê (Françoise Forton), protagonizando lá e cá, e no nostálgico score sonoro.

Onde Françoise Forton, sempre em grande forma, avança para dentro do personagem sob intensa e emocional performance...

                                (Estúpido Cupido, novembro de 2015)

 Françoise Forton em Estúpido Cupido. Texto de Flávio Marinho. Novembro 2015.Foto/Ricardo Brajterman.

 (Fragmentos de críticas de espetáculos em que atuava, como protagonista, a atriz Françoise Forton, publicadas no blog autoral Escrituras Cênicas, por Wagner Corrêa de Araújo, entre 2014 e 2017).                                





ROMEU & JULIETA (E ROSALINA) : IRÔNICA SINTONIA COM UMA INVISÍVEL PERSONAGEM SHAKESPEARIANA


Romeu & Julieta (E ROSALINA). Com Júlia Rabello. Direção Fernando Philbert. Janeiro 2022. Fotos/Cristina Granato.

Se Shakespeare para As You Like It (Do Jeito Como Você Gosta) deu o protagonismo a Rosalina, em Romeu e Julieta apenas insinuou a presença invisível desta personagem feminina, com um conceitual de possível causa inicial da trajetória amorosa dos jovens amantes.

Afinal, por um destes acasos felizes do destino, foi no Baile dos Capuletos, onde Romeu compareceu como pretendente de Rosalina, em que ele acabou trocando esta afeição, casta e inatingível, pela súbita revelação de uma irresistível paixão sensual por Julieta, a prima dela.

Mas, pobre Rosalina, desde a estreia da peça  nunca foi vista em cena salvo, quase quatro séculos depois, nas versões cinematográficas de Renato Castellani (1954) e Franco Zeffirelli (1968). Ou em raras releituras dramatúrgicas, sempre sob compasso de comédia romântica, direcionando o trágico amor adolescente a outros enfoques com um iminente happy-end.

E é nesta linha narrativa que Gustavo Pinheiro, uma das mais relevantes surpresas autorais da nova geração do teatro carioca, recoloca esta personagem feminina no palco. Dando-lhe, afinal, visibilidade física e concedendo-lhe a palavra confessional em Romeu & Julieta (E ROSALINA), sustentada por irônico e bem humorado sotaque de atemporalidade.

Romeu & Julieta( E ROSALINA). De Gustavo Pinheiro. Com Júlia Rabello. Janeiro/2022. Fotos/Cristina Granato.

E para assumir a irreverente postura de uma Rosalina, longe do idílico ideal de pureza e submissão ao domínio masculino, nada melhor que uma atriz exemplar como Julia Rabello na afirmação do poder feminino, especialmente em desempenhos cômicos desafiadores como Porta dos Fundos, a  série televisiva.

Sem deixar de referenciar também sua experiência teatral, entre musicais e dramas, antes de se dedicar mais, nos últimos tempos, a produções para as telas virtuais e cinéticas, sempre com garra e convicção na exploração de seus instintivos recursos histriônicos e seu potencial dramático/cômico.

Perceptíveis nesta transposição presencial para o palco, com proposta cenográfica (Natalia Lana) minimalista de extrema funcionalidade, antecipada por uma bem sucedida temporada nas plataformas digitais. E que se torna contínua no bom resultado de seu  aproveitamento dos mesmos elementos.

Um banco, luzes em formato de lanternas suspensas por fios que, sob ambiências luminares (Vilmar Olos), tem um efeito pictórico de cenário de bailes ao ar livre. Além das projeções frontais de imagens fílmicas que remetem à trama dos amantes de Verona.

Com uma singular indumentária (Tiago Ribeiro) que conecta traços renascentistas na blusa bordada de mangas bufantes, com uma espécie de minissaia e meia calça em tons psicodélicos anos 70, junto a uma bolsa com tessituras hippies.

A contumaz competência da conduta direcional de Fernando Philbert, em oficio dúplice nas inserções de música incidental, sabe manter o ritmo e o clima da representação no energizado aproveitamento dos mecanismos do humor às situações farsescas.

Onde o arcabouço textual de Gustavo Pinheiro possibilita uma gramática cênica envolvente ao fazer uso, sem superficial fabulação  e sem barata banalização, das linhas mestras de um clássico. Ao reconstruir um personagem capaz de transcender sua temporalidade, na especular aproximação da peste da época shakespeariana com o surto pandêmico.

Ou no acertado senso crítico das suas observações antenadas no questionamento comparativo do conservadorismo ancestral, com o olhar voltado para os retrocessos da contemporaneidade política brasileira.

Em espetáculo lúdico e ao mesmo tempo reflexivo, na eficaz coesão das suas intenções humorísticas e do seu contraponto, sem cair na vulgarização do meramente risível, com o dimensionamento psicológico da mais carismática  história de amor de todos os tempos.

                                           Wagner Corrêa de Araújo


Romeu & Julieta (E ROSALINA) está em cartaz no Teatro das Artes, Shopping da Gávea, sábados às 21h e domingos, às 20h. Em temporada de 08 a 31 de Janeiro.

COPACABANA PALACE – O MUSICAL : NOSTÁLGICO INVENTÁRIO CÊNICO DE UMA ERA EMBLEMÁTICA


Copacabana Palace - O Musical. Concepção diretorial/Gustavo Wabner/Sérgio Módena. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin.

A trajetória de um transcendente símbolo memorial e de tradição icônica do Rio e do Brasil começou, nos primeiros anos da década de vinte, pelo incentivo à ideia, do então Presidente Epitácio Pessoa, de povoar o vasto deserto areal do bairro de Copacabana com uma desafiante fábrica de sonhos.

Assim nascia o Copacabana Palace Hotel ousado projeto arquitetônico de Octavio Guinle e que, já no seu tempo inaugural, demonstrava sua futura vocação turística em compasso internacional. Com a presença de uma personalidade marcante do show business europeu e americano – a atriz/cantora de cabaret parisiense Mistinguett expressando sua emoção por estar ali :  Amar não é nada, ser amada é tudo. Amo o Brasil (agosto/1923).

Daí em diante, alguns de seus espaços alcançariam um futuro lendário, desde o Golden Room, a partir de 1938, considerado o desbravador palco latino americano de shows com nomes míticos do Brasil e do além mar. Ficando o Teatro Copacabana, no despontar dos anos 50, como um espaço cênico de prevalência quase exclusiva para o gênero boulevard, sinalizado por um constante desfile estelar até seu derradeiro espetáculo.

Em 1994, fechando suas portas e só agora, 27 anos depois, sendo devolvido ao público, após uma artesanal restauração que preservou seu original estilo na linha art déco, ainda que tenha passado por ligeiras alterações em seu primitivo aspecto.

Particularmente, um espaço de muita representividade afetiva, pois foi ali, em 1984, que ocorreu minha entrada no universo investigativo das artes cênicas, logo que cheguei ao Rio vindo de Minas, direto do Palácio das Artes para a TVE, Canal 2. Num projeto ambicioso do Teatro Copacabana Palace que envolvia a montagem de uma exposição local e de uma mostra cinematográfica sobre o Nazifascismo, mais um extenso catalogo documental/crítico sobre a época, tudo a propósito da peça E O Vento Não Levou...por indicação carinhosa das atrizes Maria Fernanda e Yara Amaral (Fato registrado nas pgs 504 a 506, do substancial livro “Yara Amaral – A Operária do Teatro”, de Eduardo Rieche, Tinta Negra, 2016) E referenciado também, especialmente neste momento, como advertência aos riscos do retorno da ameaça fascista que paira, perigosamente, sobre nós e sobre o mundo...

Copacabana Palace - O Musical. Concepção dramatúrgica -Ana Velloso/Vera Novello. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin.

Esta volta acontece, oportunamente, em tempos difíceis para o universo teatral carioca com vários espaços paralisados ou definitivamente encerrados sob o surto pandêmico e a crise econômico/política, agravada com o sequencial desmonte das leis de incentivo cultural.

Com sólida escrita dramatúrgica em processo dúplice (Ana Velloso/Vera Novello) seguindo um ideário de Gustavo Wabner que, em acurada parceria diretorial com Sérgio Módena, reestreia o lendário palco com Copacabana Palace - O Musical conectado em duas linhas melodramáticas, do cotidiano hoteleiro ao enfoque histórico/artístico.

Podendo, sem dúvida, ser considerado funcional ao desafiar tempos tão adversos, mostrando alento suficiente para superar ocasionais vulnerabilidades, desde sua concepção na caixa cênica (Natalia Lana) ao seu dimensionamento tecno/artístico como espetáculo corajoso que nunca deixa de lado sua pulsão pelo entretenimento.

Sob um único espaço cenográfico direcionado para uma construção frontal fixa, possibilitando as envolventes projeções visuais, em compasso nostálgico, da dupla Vilarouca. Em escada central ladeada por planos superiores com reflexo especular de motivos plásticos/decorativos do prédio, sempre ressaltados em sensoriais efeitos luminares (Paulo Cesar Medeiros).

Escalando um elenco de vinte artistas, entre músicos e atores/cantores, tendo à sua frente o irrepreensível e amadurecido protagonismo de Suely Franco como Mariazinha Guinle, papel guia do espetáculo. Em relatos de fatos e tipos que marcam as recordações das ambiências do hotel em suas diversas fases, alternados na convicta entrega emotiva de Vanessa Gerbelli como a mesma personagem ainda jovem.

Ou no destaque de energizada luminosidade na atuação de Claudio Lins no papel de Octavio Guinle, com unidade interpretativa para os personagens hóspedes/artistas famosos sejam estes ora Orson Welles (Saulo Rodrigues), ora Cauby Peixoto (Chris Penna), em lúdica performance de retratos histriônicos. Extensiva à eficiente presença físico/vocal em papéis, às vezes alterativos, de um seguro elenco de atores/cantores/dançarinos, de Ariane Souza a Julia Gorman, entre  outros.

Os figurinos (Karen Brusttolin) em discricionária elegância tornam-se mais aquarelados nas retomadas dos bailes carnavalescos. Com uma coreografia (Roberta Fernandes) sem grandes arrebatamentos em sua busca das danças características de épocas diferenciais. Sustentada por um boa direção musical (Herberth Souza) no comando de um afinado staff instrumental, ao vivo executando temas antológicos do repertorio da MPB e da música internacional.

Ainda a proposito de Copacabana Palace – O Musical, em seu desdobramento hoteleiro e teatral, um referencial curioso é o de que aventuras artísticas em espaços deste porte vem acontecendo desde a estreia nas telas de Grande Hotel, filme de Edmund Goulding(1932), com Greta Garbo no papel de uma hóspede/bailarina, à sua transposição para o sucesso dos palcos da Broadway, seis décadas depois.

Onde o fato de ser uma trama que envolve uma bailarina clássica remete a um episódio similar, mas não ficcional, entre Tatiana Leskova e o Copacabana Palace, pois logo que adotou o Brasil e o Rio como morada definitiva, ainda no período final da II Grande Guerra, sua estreia profissional foi dançando Lua Amiga, no Golden Room, num show de Silvio Caldas, trocando os Balés Russos pela MPB.

Por estas e por outras narrativas, merecem o maior aplauso tanto a gerência do Copacabana Palace Hotel pela reabertura do antigo teatro, quanto a produção, ali, de um musical tão certo para horas tão incertas, resgatando esta lembrança nostálgica do glamour de anos dourados como um sopro de esperança sob a perspectiva de luzes para tempos obscuros...

                                                Wagner Corrêa de Araújo


Claudio Lins, Suely Franco e Vanessa Gerbelli em Copacabana Palace - O Musical. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin.

Copacabana Palace - O Musical, fica em cartaz no Teatro Copacabana Palace,  de quinta a domingo, às 19h. De 18 de dezembro até 06 de fevereiro.

TEATRO 2021 : ENTRE O VIRTUAL E O PRESENCIAL, AINDA COM UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO

Copacabana Palace - O Musical. Direção/Gustavo Wabner/Sergio Módena. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin.


Nesta tentativa de se fazer uma retrospectiva teatral já no biênio do surto pandêmico, diante do desafio dos riscos da contaminação, continuou a formatação híbrida do espetáculo cênico nas plataformas digitais. Interrompida, ainda que timidamente, com a expansão do processo vacinal a partir do segundo semestre de 2021, com alguns bastante raros espetáculos ao vivo para desenvolver uma temporada nos moldes tradicionais.

Uma representação atoral fissurada em seus elementos básicos - o fator presencial e o face a face - impedida, assim, de ser compartilhada, numa comum emoção coletiva palco/plateia, ator/espectador.

Mas, ao longo do tempo, sendo sistematizada, ao que tudo indica vindo para ficar, quando a conexão dos recursos virtuais, cinéticos e  dramatúrgicos acaba provocando novas e inventivas perspectivas estéticas, tanto no processo de criação quanto na expansão virtual para públicos até então inatingíveis, das mais remotas regiões do país e do mundo.

E destacando-se, nesta específica trajetória cênica que tem sido titulada de peça-filme, Vozes do Silêncio, a partir de três provocativos textos curtos de Beckett sob artesanal comando diretor de Fabio Ferreira e por um visceral protagonismo solista de Carolina Virgüez.

A Desumanização. Direção/José Roberto Jardim. Setembro 2021. Foto/ Victor Iemini.


Uma sucessiva postagem de investigativas obras fílmico/cênicas, numa linha autoral/beckettiana, vem sendo uma aposta para José Roberto Jardim, neste período de reclusão 2020/21. Além do formato de A Desumanização, a partir de Walter Hugo Mãe, em leitura paralela para os meios virtuais e para o palco, com plasticidade cinética ímpar. O primeiro e mais instigante espetáculo na volta da temporada presencial do CCBB carioca.

No segmento de peças voltadas para o universo LGBT, houve um encontro incisivo de linguagens artísticas além do teatro, com inventivo apelo psico/virtual para tratar, sem falsos pudores e disfarces, do enfrentamento de tema necessário para tempos de tanto obscurantismo político e cultural. Como Entre Homens, Conectados & Por Amor, ideário e realização de Cesar Augusto, Rogério Correa, Isaac Bernat e uma potencial trupe de atores.


Entre Homens, Conectados & Por Amor. Junho 2021. Foto Montagem/Divulgação.


Ainda no plano virtual, a oportuna ação da Dell'Arte Digital propiciando o acesso a espetáculos internacionais direcionados ao interregno da pandemia, depois de sua programação ser inicialmente planejada para a temporada brasileira, como Murmurs (Murmures des Murs), o circo imaginário e o teatro alquímico de Victoria Chaplin na sensorial envolvência da performance de Aurelia Thierrée, neta de Chaplin.

Na retomada do palco presencial, espetáculos de proposta mais lúdica e interativa estimularam este reencontro do público com o teatro, através de montagens despretensiosas com maior apelo popular, sob as limitações cênicas geradas, à causa da desgovernança em detrimento da causa cultural, no entremeio da crise sanitária.

Como As Meninas Velhas, na parceria Cláudio Tovar/Tadeu Aguiar (e um afinado elenco feminino), a trama musical/romântica Charles Aznavour-Um Inventado Romance, por Daniel Dias da Silva (com Maurício Baduh/Sylvia Bandeira) e a temporada de repertório do ator e diretor Eduardo de Martini. Todos manifestando um belo esforço para superar as adversidades de um momento tão difícil para o exercício do ofício  teatral.

Já em outro plano, mais transgressor, Pá de Cal, um dos últimos textos de Jô Bilac, num substrato concepcional que remete, na generalidade de sua abordagem crítica, à narrativa em torno de uma descida, sob mote rodrigueano, ao inferno familiar, na acertada concepção direcional por Paulo Verlings  e um convicto quinteto de intérpretes.


Pá de Cal. De Jô Bilac. Direção/Paulo Verlings. Novembro 2021.Foto/Antonio Fernandes.


E o sedutor magnetismo da montagem, com um elenco de craques entre duas gerações, na direção dúplice de Sérgio Módena/Gustavo Wabner (
Copacabana Palace - O Musical), roteiro dramatúrgico de Ana Velloso e Vera Novello, não só resgatando o lendário espaço cênico de grandes shows e montagens históricas, especialmente do Teatro de Boulevard, como no incentivo a um tributo memorial ao hotel na sua simbologia turístico/nacional.

Duas gratas surpresas do teatro infanto-juvenil, se juntam ao fato mais importante do panorama teatral carioca de 2021, a reinauguração do Teatro Copacabana.

Em Zaquim, o Musical, no seu olhar sem preconceitos de um espetáculo para todas as idades, criação coletiva sob o comando concepcional de Duda Maia, há uma magia  poética referencial sob um mágico jogo sustentado pela corporeidade gestual e pelas sonoridades musicais, na iminência de um subliminar e aventureiro salto no espaço.

Enquanto Pinóquio, da Cia PeQuod, revela o dimensionamento estético atingido pela direção de Miguel Vellinho num substrato burlesco/circense, sob forte referencial de teatro de animação. E uma brilhante partitura (Tim Rescala) que, em modulações camerístico/vocais remete a uma opereta popular brasileira.

A Cia Ensaio Aberto, de Luiz Fernando Lobo, através de um texto tão simbólico como O Dragão torna-se, afinal, mais que um arquétipo para os dias que vivemos, alertando para os riscos da acomodação diante dos “dragões” que usurpam a liberdade do pensar e do agir, em falseadas propostas políticas que só levam aos riscos da inércia e do perigoso imobilismo social: 

A nossa cidade é muito tranquila./Aqui não acontece nada / Não queremos mudanças. / Enquanto nosso Dragão estiver aqui, nenhum outro dragão se meterá conosco’’...


                                         Wagner Corrêa de Araújo


O Dragão. Cia Ensaio Aberto.Direção/Luiz Fernando Lobo. Novembro/2021. Foto/Renam Brandão.

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