Jacksons do Pandeiro. Direção/Duda Maia. Janeiro 2022. Fotos/Renato Mangolin. |
Dando continuidade a um ideário de tributo à mais autêntica brasilidade literária/musical, já exemplarmente
demonstrada em criações anteriores (Macunaíma-Uma
Rapsódia Musical e Suassuna-O Auto do Reino do Sol) a
original cia Barca dos Corações Partidos
está de volta, presencialmente, com Jacksons
do Pandeiro.
Desta vez, para registrar o centenário (ocorrido em 2019) de
nascimento de um bardo da cultura popular nordestina, refletido através da
fusão corporal de singulares ritmos dançantes - frevos, cocos, emboladas, xaxados, baiões - ao múltiplo uso performático de instrumental típico ao vivo (zabumba
e sanfona, pandeiros e tamborins, rabecas e violas).
Em transcendente redenção, ao compasso da contemporaneidade,
de seu crescente regionalismo rítmico/vocal, com explosivo sucesso musical/radiofônico
a partir dos anos 50. E pelo desafio ao seu perceptível esquecimento, eclipsado por
gêneros de instantâneo apelo comercial, como o meloso sertanejo ou a apelativa
provocação do funk.
Na envolvente concepção cênica/dramatúrgica, com prevalência
estética de um teatro musical/coreográfico, mais um dos surpreendentes comandos
direcionais de Duda Maia, em sua parceria
com a Cia. Barca dos Corações Partidos, aqui, via metafórica
pluralidade na nominação titular, para o espetáculo Jacksons do Pandeiro.
Sob dramaturgia dúplice de Bráulio Tavares e Eduardo Rios e itinerário
musical em duo (Alfredo Del Penho e Beto Lemos). Com incursões em quase sessenta
composições, representativas da trajetória artística/biográfica de um mestre nordestino
dos ritmos populares brasileiros.
Sustentada, ora na apresentação do cancioneiro em seu formato primitivo, ora por reveladora releitura autoral de cada integrante fixo do elenco (Adrén Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios, Fábio Enriquez, Renato Luciano, Ricca Barros). Transmutando um antológico repertório musical em criativo roteiro que conecta estas experiências personalistas, de arte e de vida dos atores, com as do já centenário cantor/compositor paraibano.
Jacksons do Pandeiro. Cia Barca dos Corações Partidos. Janeiro 2022. Foto/Renato Mangolin. |
Funcionando com sensorial dimensionamento através das inusitadas personagens
femininas assumidas por Luiza Loroza, a única atriz/cantora da peça (na similar
condição de outros dois competentes intérpretes convidados - Everton Coroné e Lucas dos Prazeres) pela
simbólica representatividade de Almira e das mulheres na travessia existencial de Jackson
do Pandeiro.
Onde a caixa cênica, na projeção de André Cortez, é preenchida
por uma instalação plástica em dois planos, por intermédio de barras e rampas, suporte móvel elástico e uma tela/palco frontal, com luzes irradiantes de efeitos cinéticos do teto às
laterais (Renato Machado).
Em que o traçado dos figurinos (Kika Lopes e Rocio Moure)
remete à lembrança de trupes ambulantes em feiras populares apresentando autos nordestinos, com um sotaque circense/medieval
na profusão de tons aquarelados sobre cetins e malhas, completados por decalques e bordados, além dos muitos brilhos faciais.
Possibilitando o desenrolar de uma linguagem híbrida de teatro/dança, através da encenação musical/coreográfica
de intensa força imersiva, capaz de promover uma carismática interatividade dos
acordes rítmicos com a textualidade poético/dramatúrgica das canções.
E, por vezes, de sugestionar, no plano específico de seu livre e autônomo
conceitual para um teatro musical/coreográfico brasileiro, a pulsão de avançados
experimentos na busca destas contrações musculares/gestuais na corporeidade dançante (desenvolvida referencialmente, hoje, pelo
coreógrafo alemão Marco Goecke).
A cada dia e em cada espetáculo, se tornando uma marca singular de extrema expressividade estética, o diferencial vocabulário do movimento que Duda Maia imprime ao corpo cênico, com seu luxuoso desdobramento performático, vocal e instrumental, para a sempre incrível Barca dos Corações Partidos.
Wagner Corrêa de Araújo
Jacksons do Pandeiro está em cartaz na Cidade das Artes/Barra, de quinta a sábado, às 20h30m, domingo, às 18h. Até 30 de janeiro. Janeiro/2022. Fotos/Renato Mangolin.