O Lago dos Cisnes/Balé do Theatro Municipal/RJ/Foto Sheila Guimarães |
A crise, perceptível desde os primeiros meses do ano, acentuou
suas temerárias consequências em todas as manifestações cênicas, do teatro à
ópera. E a dança, acuada por todos os lados, na carência de espaços e patrocínios,
sobreviveu ainda assim, apesar de ter, literalmente,
quase dançado...
Significativamente, a temporada foi aberta com ainda alguma
expectativa, na original apropriação do universo literário de Garcia Marquez
pela Renato Vieira Cia de Dança, em obra inédita - No Me
Digas Que No.
Em tempo de aniversários, recatadas foram as comemorações em
raríssimas novas incursões e sempre com obras
antigas do repertório das cias. Como foi o caso do Grupo Corpo que, nos seus 40 anos, limitou-se a reapresentar a Dança Sinfônica , de 2015, ao lado de Lecuona, esta de onze anos antes.
Ou como os trinta anos da Intrépida Trupe que começaram bem com a criação de Mário Nascimento
À Deriva, num mix de acrobacia
/dança contemporânea explorando a tensão de corpos /pêndulos. Mas ficaram praticamente
por aí .
Maior ousadia teve a Focus
de Alex Neoral ao fazer varias
temporadas de retomada do seu repertório de 15 anos, revisitando expressivos
trabalhos exploratórios das relações da corporeidade com o tempo e o espaço, num fiscalidade
reflexiva e dialogal com o mundo ao redor.
Na pegada da urbanidade, a Mimulus, com Pretérito Imperfeito de Jomar Mesquita, registrou suas trinta velas
com o memorialismo domiciliar dos saraus e bailes à antiga. E na radicalização
do virtuosismo clássico a partir das raízes periféricas, Thiago Soares ao lado
do dançarino rapper Danilo D'Alma instaurou com Roots
uma das mais incisivas experiências coreográficas de 2016.
Gramática cênica de visibilidade também nas coreografias de Mourad Merzouki
em Pixel no uso conceitual de
elementos etno/ecológicos com uma digitalização corporal computadorizada. E Olivier Dubois que, em Mémoires d’um Seigneur, demole a corporeidade
apolínea e a técnica perfeita na incorporação de um elenco de excluídos sociais
que nunca pisaram num palco.
Num mesmo diapasão dança/artes plásticas, Esther Weitzman referenciou com inventividade a “minimal dance”, de Cunninghan, ao “dripping” de Pollock em Dançar(não)é Preciso e Márcio Cunha assumiu a seminal brutalização da arte/vida em enérgico Céu de Basquiat.
O Que Eu Mais Gosto É de Gente, espetáculo tributo a Angel Vianna/Foto Maurício Maia |
E duas companhias mergulharam na espiritualização da fisicalidade.
Sankai Juku com sua dança
teatralizada com extroversão da interioridade em Meguri. E Angel Vianna
com sua dança laboratorial de revelação
do auto conhecimento corporal, na vitalidade do solo autoral Amanhã é Outro Dia e no
reflexo especular de seus discípulos em O
Que Eu Mais Gosto é de Gente.
Da ritualização corporal à força testemunhal da tradição. O Balé do Teatro Municipal com seu Lago dos Cisnes de notável rendimento
cênico, apurado senso artístico e singularizada entrega técnica /emotiva,
responsabilizou-se por uma das mais exuberantes performances do ano.
Bravo, enfim, aos seus intérpretes e impulsionadores que,
entre a sublimidade apolínea e a pulsão dionisíaca,
foram capazes, só assim, de mimetizar a
crise em catártico horizonte coreográfico.
Wagner Corrêa de Araújo
Wagner Corrêa de Araújo
Roots,duo Thiago Soares/Danilo D'Alma/ Foto Mariana Vianna |