FOTOS /ANDRÉ GARDENBERG/CAIO GALLUCCI |
“Estar morto é estar
entregue aos vivos”
. Nas derivações deste pensar do existencialismo sartreano , um transcendente
e aproximativo conceitual para os quatro personagens de Jô Bilac, solitários e
quase mortos entre os vivos, em sua incursão dramatúrgica titulada “Fluxorama”.
Nos três primeiros segmentos, vidas sendo desconstruídas em instantâneos flagrantes à beira do risco
onde estes personagens são confrontados com a dissolução progressiva do direito
às idealizações e ao sonhar.
Quando pairam os espectrais traços da decadente fisicalidade
em uma mulher, Amanda (Deborah Evelyn) – que vai perdendo, sequencialmente, todas as
suas nuances sensoriais impossibilitando-a,
assim, da plena capacitação vivencial.
Ou, no perigo da brevidade de sobrevivência de Luiz Guilherme (Luiz Henrique Nogueira) preso nos destroços
de um acidente automobilístico, fazendo inusitadas
reflexões sobre os seus afazeres diários na melancólica percepção da própria mortalidade.
E , ainda, quando a maratonista Valquíria ( Marjorie Estiano
), no desafio corporal de uma corrida atlética insana, almeja incisivamente a
vitória olímpica , na crueza da resistência física e em meio à confusão mental e às
desarticulações linguísticas.
No fator conclusivo deste círculo de discursos comportamentais,
a incômoda circunstância exposta em Medusa, onde falham as tentativas de concentração
introspectiva e catártica de um pretenso meditador (Emílio de Mello) , nas frequentes interrupções
por sonoridades invasivas e dispersão de pensamentos.
Nesta dramaturgia de sotaque tragicômico, o questionamento ,
em solilóquios insólitos, de nossas posturas convencionalistas e das inevitabilidades
da condição humana. Embora estruturados
em passagens cênicas de instantaneidade
espacial e temporal, não escapando,
assim, de certa superficialidade em seus delineamentos
psicológicos.
Com uma encenação direta e seca, Monique Gardenberg desafia o
imobilismo dos personagens e a prevalência do “Fluxograma” verbal marcando, com sólidos matizes, suas episódicas representações de conflitos na
iminência da dúvida e das surpresas
abissais.
Contando com expressivo domínio de recursos técnicos – no
quase cinema da realística cenografia(
Daniela Thomas/Felipe Tassara) e da cotidiana
indumentária(Cassio Brasil), contrastando com efeitos metafóricos exercidos
pelas luzes(acumulada pela direção) e pelas
incidências dos acordes de cordas ( Philip Glass) .
Onde as caracterizações da miserabilidade da perda sensitiva
em Deborah Evelyn, da patética submissão à adversidade em Luiz Henrique
Nogueira, da opressiva inquietude em Marjorie Estiano e das instáveis interiorizações de Emílio de Mello revelam perceptível
intensidade confessional e convicto apuro dramático.
E nunca deixando fora do imaginário de cada espectador que estas emboscadas de situações limites podem estar, quem sabe , à nossa espreita na
próxima esquina...
Wagner Corrêa de Araújo
FLUXORAMA está em cartaz no Teatro I do CCBB/Centro/RJ, de quinta a domingo, às 19h. 80 minutos. Até 12 de março.