DIA INTERNACIONAL DA DANÇA : SOB UM TRÍPLICE TRIBUTO


George Balanchine, Tamara Toumanova, Igor Stravinsky e TATIANA LESKOVA. Um encontro de celebridades do mundo da dança e da música. Desenho publicado na imprensa nova-iorquina de 1940.

 

“Que a dança faça nascer, pela sutileza dos traços, pela divindade dos ímpetos, pela delicadeza das pontas paradas, essa criatura universal que não  tem corpo nem rosto, mas que tem dons, e dias, e destinos” (Paul Valéry).


Neste Dia Internacional da Dança, data idealizada pela UNESCO, em 1982, como uma lembrança do nascimento, em 29 de abril de 1727, do primeiro grande teórico e sistematizador histórico da dança clássica, o também coreógrafo francês Jean-Georges Noverre, fazemos, aqui, um  tríplice tributo.

Em tempo de pandemia e da distância presencial dos palcos, com o esfriamento daquele maior elemento psicofísico que arrasta coletivamente, numa mesma pulsão dionisíaca, atores, bailarinos e espectadores, sendo substituído, agora, ao compasso da crise sanitária, pelas manifestações coreográficas nas plataformas digitais.

O Emblemático Legado de Tatiana Leskova

Começamos  convictos de estarmos fazendo uma justa referência aos 98 anos da grande mestra Tatiana Leskova com seu  precioso legado testemunhal de época e através de uma  trajetória artística exemplar. Sempre estelar desde a década de trinta, início da sua carreira de bailarina aos 17 anos, como integrante do Original Ballet Russe, uma das derivações da mítica Cia de Serge Diaghilev.

De 1939, com a sua corajosa tournée internacional às vésperas da Grande Guerra, foram seis anos até a adoção afetiva e definitiva do Brasil como sua terceira pátria, considerada sua ascendência russa e sua natalidade parisiense. Tornando-se, sobremaneira, uma personalidade de importância primordial como bailarina, coreógrafa e mestra de várias gerações, a partir de quase meio século de atuação e direção do Corpo de Baile do Theatro Municipal carioca.

Emblemática tanto por seu legado ao estabelecer uma ponte entre a tradição da escola russa da qual fez parte, ao lado de alguns dos maiores nomes da história da arte coreográfica no século XX, e a modernidade, como reconhecida precursora da formação, sob acuradas bases estéticas, do ensino acadêmico e do oficio artístico da dança no Brasil.


São Paulo Companhia de Dança : A Brava Resistência para Tempos Pandêmicos


SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA. De volta ao palco do Theatro São Pedro. Transmissão ao vivo nos canais no YouTube do Teatro (dias 29/4 e 1/5), às 18h,  e da SPCD (dias 30/4 e 2/5), às 17h.

A longa trajetória da São Paulo Companhia de Dança, sustentada em inventiva busca estética na urdidura de suas concepções cênicas, tanto para o palco como para espaços alternativos, vem ao longo de seus doze anos contribuindo cada vez mais para ampliação de um ideário voltado para o enriquecimento de nossa cultura coreográfica.

Partindo da diversidade cultural através de coreógrafos convidados, com estreia de obras inéditas especialmente pensadas para a Cia, dando um especial enfoque, com o mesmo intuito de valorização referencial, tanto na amostragem do que vem de fora como do produto absolutamente nacional.

Sempre com o olhar armado na reflexão sobre grandes temas da contemporaneidade brasileira e universal, que aparecem inclusive na titulação dos módulos que integram as temporadas anuais, idealizadas sob um prevalente conceitual de maturada abordagem estética.

Leia mais sobre a São Paulo Companhia de Dança na pagina oficial - www.spcd.com.br  - com  análises criticas, além da completa versão autoral desta, na sessão Memória>Olhares, integrada por Iara Biderman, Keyla Barros e Wagner Corrêa.

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Um Filme de Dança : Incisiva Obra Conceitual Sob o Signo da Corporeidade Negra


Diante da trágica partida de um dos nomes mais referenciais da cultura negra brasileira - o coreógrafo Ismael Ivo, de extensiva projeção aqui e além-mar, como mais uma das súbitas vitimas fatais da Covid-19, depois de ter sido acusado por assédio e de perder a direção do Balé da Cidade de São Paulo, numa quase similaridade, de causa e efeito, com o recente suicídio do jovem e promissor coreógrafo inglês Liam Scarlett.

Registramos, nestes tempos tão adversos e preconceituosos, a oportuna passagem pelas plataformas virtuais do quase inédito documentário longa-metragem Um Filme de Dança, produzido em 2013, sob roteirização da diretora/coreógrafa, arte-educadora e cineasta Carmen Luz. Que aprofunda as raízes coreográficas da negritude corporal e seu empoderamento, no entremeio da opressão social racista e da dificuldade de se reconhecer a consciência de seu poder artístico, sob o foco da herança afro-brasileira com um olhar conectado em nossa realidade cotidiana.

Tratando-se de um registro único que vai da pioneira Mercedes Baptista aos principais criadores, bailarinos e cias dedicadas exclusivamente à mais autêntica expressão de uma linguagem ancestral de sotaque negro, pela ótica de um tropicalismo nativista. Com envolvente narrativa fílmica de energizado suporte gestual/emotivo e potencial suporte cênico/luminar, contando com a acurada colaboração do também coreógrafo/diretor Gustavo Gelmini. 

Segundo Carmen Luz : “É uma homenagem à perseverança de bailarinos e coreógrafos. Um tributo ao corpo negro, dono de sua própria dança".

                                             Wagner Corrêa de Araújo

UM FILME DE DANÇA. Cena com o Balé Folclórico da Bahia. Direção de Carmen Luz. 2013. Disponível nas plataformas digitais.

THE CAR MAN : TRANSGRESSIVO TEATRO DE DANÇA CONTEMPORÂNEA

THE CAR MAN. Teatro coreográfico de Matthew Bourne. Abril /2021. Fotos/Johan Persson.


O coreógrafo inglês Matthew Bourne já afirmou convicto, mais de uma vez, que concebe a New Adventurescomo uma companhia de teatro de dança contemporânea longe de qualquer referência a uma trupe de balé”.

E desde sua inicial proposta estética a partir das mais que autorais reinvenções do Lago dos Cisnes e da Bela Adormecida, seguidas por Cinderela, Quebra Nozes  e Romeu+Julieta, tornou-se uma espécie de “enfant terrible” da dança contemporânea.

Com o substrato transgressor e o espírito irreverente que vem imprimindo às suas criações de teatro coreográfico onde a narrativa original destes balés é transmutada em releitura absolutamente provocadora.

Ora através da conotação de marginalidade e violência, ora com um forte sotaque de sexualidade homoerótica,  a partir do reprimido Príncipe Siegfried encantado por um Lago de atléticos cisnes masculinos com torsos nús.

Sua reinvenção da Carmen, sob irônica titulação fonética como The Car Man, quase nada remete à narrativa de Merimée embora faça uso das melodias de Bizet segundo a transcrição, para cordas e percussão, do russo Rodion Shchedrin dedicada à sua mulher Maya Plisetskaya. E, aqui, sob novos arranjos, através da parceria de Bourne com seu maestro favorito Terry Davies.


THE CAR MAN. Chris Trenfield e Zizi Strallen. Foto / New Adventures/Johan Persson.


A fábrica de cigarros onde, na trama original da ópera, trabalhava Carmen, transmuta-se numa oficina mecânica para automóveis, numa destas ambiências provincianas decadentes e bem típicas do cinema americano anos 40/50, extensiva cenograficamente à lembrança das pinturas cotidianas de Edward Hopper.

Nesta paisagem interiorana de uma comunidade chamada de Harmony, aparece também uma lanchonete e, no segundo ato, um cabaré povoado por prostitutas, malandros e ilusionistas, além de guardas penitenciários integrados a uma cela prisional no plano superior do palco. 

No prólogo, um anúncio na oficina com duplo sentido – Procura-se Homem – atrai para a vaga o musculoso Luca (Chris Trenfield), de insinuante rusticidade e capaz de seduzir, simultaneamente, os dois sexos.

Levando a uma torrente de luxúria e sexualidade que envolvem Lana (Zizi Strallen), a insatisfeita mulher do proprietário Dino (Alan Vincent) e o jovem e tímido trabalhador Angelo (Dominic North). Este último disfarça seu lado gay cortejando Rita (Kate Lyons) a irmã de Lana.

A pitoresca concepção cênica (Lez Brotherston) lembra, sob efeitos de luzes entre sombras (Chris Davey), tomadas cinematográficas do filme noir americano, de 1946, The Postman Always Rings Twice (O Destino Bate à sua Porta). Onde Bourne assumidamente referencia Lana Turner, homonimamente na principal personagem feminina.

Aliás, não fica por aí o tratamento cinematográfico deste teatro coreográfico, mostrando jogos de câmera e o abuso de close ups em substancial versão cinético-teatral. Que também remete, nos seus recursos visuais, particularizados nos ousados pas de deux e vigorosas cenas de conjunto, a um autentico musical entre Hollywood e a Broadway.

Passagens de avançado teor erótico vão da cena de banho com operários nus, no sugestionamento de atos sexuais do casal protagonista, beijos homoeróticos e nos sequenciais sinais lúbricos do elenco masculino, entremeados por um gestual energizado, sustentando-se com rara luminosidade nos acordes melodiosos e rítmicos de Bizet/Shchedrin.

Este clima de acirradas pulsões psicofísicas,  sob doses de lascívia, ciúmes fatais, sangue e violência criminal, funciona não só como um tributo ao melhor do romance policialesco de James M. Cain e Raymond Chandler e ao cinema Noir. Não por acaso, desde sua estreia há vinte anos, é sucesso absoluto de público e de crítica.

Potencializando um teatro coreográfico carismático não só por sua busca investigativa no cruzamento da diversidade de linguagens artísticas e hipnotizante tanto para os aficionados do teatro e da dança, como por sua liberdade de exposição crua dos desejos mais puros e mais torpes que marcam a condição humana.

                                               Wagner Corrêa de Araújo

                         

    THE CAR MAN. Dominic North como Angelo. Foto/Johan Persson.

(Este espetáculo, reestreado em Londres no último dia 16, estará disponibilizado na íntegra, até o dia 21 de abril, no youtube.com  sob o titulo : The Car Man - Full Show -The Shows Must Go On!)

VOZES DO SILÊNCIO : POEMÁTICO FILME NÃO FILME BECKETTIANO SOB COMPASSO ELÍPTICO

CAROLINA VIRGÜEZ, em VOZES DO SILENCIO. Uma peça/filme. Abril 2021. Fotos/Fábio Ferreira.

Nada tenho para dizer, mas somente eu sei como dizer isto”. (Samuel Beckett).

Diante de um estado de permanente perplexidade e desafio à própria sobrevivência humana, num universo pandêmico em tempo de referencial pré apocalíptico, como não evocar as contestações niilistas da dramaturgia de Samuel Beckett?

Em contexto cênico agravado também pela impossibilidade de estabelecer laços presenciais palco e plateia, ator e espectador, obrigando a criação teatral a saídas híbridas com a fusão de diversas linguagens artísticas.

Onde prevalecem, pelas limitativas circunstancias, os recursos cinéticos/virtuais, às vezes com frustrantes resultados mas, ao mesmo tempo, descortinando novas possibilidades estéticas, especialmente através da chamada peça-filme.

É o caso, entres outras, da proposta teatral, aqui subtitulada Filme Não Filme, Vozes do Silêncio, sob concepção cênica do diretor/cineasta Fábio  Ferreira, ao lado da atriz e protagonista solo Carolina Virgüez.

Com um acurado sustento técnico/artístico nos efeitos luminares, com gradações claro/escuro (Renato Machado), extensivas à simbiose indumentária em preto e branco (Luiza Marcier) e a um visagismo neo-expressionista (Cleber de Oliveira). Isto sem deixar de falar no encontro de vozes moduladas pela melancolia e pelo pânico, no entremeio de acordes sonoros incidentais (Felipe Storino).

CAROLINA VIRGÜEZ em Vozes do Silencio. Filme Não Filme. Abril 2021.

Dividindo-se em três conhecidos textos monologais do autor irlandês, caracterizando seu clima de teatro do absurdo, em órbita elíptica onde o conteúdo é condicionado, em caráter exclusivo, por sua correlação com a forma.

Este tríptico beckettiano é inicializado com Não eu (Not I), que, desde sua estreia em 1973 nos palcos londrinos, vem provocando reações de aplauso ou de repúdio na sugestão, sem sustento corporal, de apenas uma boca audível movimentada entre sombras. Vomitando palavras em frases isoladas, muitas vezes sem nexo, numa narrativa minimalista, ante/literal e metafórica.

No segundo módulo - Cadência (Rockaby) - continuando a voz ficcional dimensionada, aqui, por toques pendulares, em ambíguos relatos existenciais de uma figura fantasmagórica acomodada numa cadeira de balanço. Segundo a caracterização indicativa do próprio Beckett “Prematuramente velha. Cabelo grisalho despenteado. Olhos enormes em rosto branco sem expressão”.

Enquanto na sequencialidade de  Passos (Footfalls), uma mulher perfaz um trajeto de ida e volta, reiterativo como os toques de um metrônomo, dialogando com sua própria voz pré-gravada, em processo remissivo à mãe morta da personagem.

Em espetáculo audiovisual de teatro, com teor mais aproximativo do cinema, potencializando o “interior vazio" da condição humana descolada de qualquer significado, em recortes amargos do desamparo e da solidão claustrofóbica, questionada por um nervoso e sofrido grito - “O Quê ?” - repetindo-se até a exaustão.

Nada palatável com seu nonsense e sua carga de incomodo hermetismo, provocativo por suas percepções sombrias e depressivas, neste lugar nenhum do não ser e da não existência, Vozes do Silêncio tem artesanal comando diretor (Fabio Ferreira) na sua busca investigativa da conexão teatro/cinema.

E destacando-se, sobretudo, por uma visceral performance de Carolina Virgüez. Com densidade psicofísica, simultaneamente sóbria e ácida, desnudando a ancestral opressão do feminino, fazendo, enfim, ecoar, em tríplice transmutação cíclica, a finitude do ser e o inútil ato do existir.

                                            Wagner Corrêa de Araújo

CAROLINA VIRGÜEZ, em VOZES DO SILENCIO. Filme Não Filme. Abril 2021.Fotos/Fabio Ferreira.
Link para retirada de ingressos gratuitos de
Vozes do Silêncio
: https://linktr.ee/vozesdosilencio). Em cartaz até 25 de abril, sextas, sábados e domingos, às 19hs.

A VOZ HUMANA : REVISITA ALMODOVARIANA DIALOGANDO COM O SILÊNCIO E A AUSÊNCIA

TILDA SWINTON, protagonista de A Voz Humana,  filme de Pedro Almodóvar. 2020. Foto/divulgação.


Escrita em 1927, por encomenda da
Comédie Française, A Voz Humana teve sua première em 1930, com a prestigiada performance de Berthe Bovy. O texto, de Jean Cocteau,  tinha seu referencial na exaltação dos movimentos dadaísta e futurista aos objetos industriais e à tecnologia.

Sua trama dramatúrgica, com menos de uma hora, mostra uma mulher em seu leito e que, abandonada pelo amante, tem seu olhar insistentemente armado no toque de um aparelho de telefone. Que pode surpreendê-la, a qualquer momento, pela voz do homem que ela ainda ama mas que a deixou por outra mulher.

Na época de sua criação, poeticamente entremeado de silêncios, ausências, pausas e esperas, configurava um monólogo ou  um solilóquio de uma atriz dialogando  com a própria voz, diante de uma metafórica sonoridade mecânica  que não se pode ouvir.

E foi esta marca estética que apressou a sua transformação em ópera (1959),  com a partitura de Francis Poulenc. Que, na sua densidade orquestral, possibilitava devaneios sensuais, no confronto da contextualização teatral de uma atriz  com o  canto lírico de uma soprano.

Mas alcançou, também, o cinema de Rosselini com Anna Magnani, teve em Simone Signoret e Ingrid Bergman (esta numa adaptação televisiva) intérpretes idealizadas  e, no Brasil, inaugurou a sede do Teatro Brasileiro de Comédia (1948), no original francês, através de Henriette Morineau.

Texto teatral que sempre foi um referencial  para alguns dos mais emblemáticos filmes de Pedro Almodóvar desde A Lei do Desejo, de 1987, inclusive citando em seu roteiro a peça de Cocteau,  até  Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos, de 1988.

A concepção cinematográfica direciona, com extrema radicalidade, as indicações de Cocteau na sua sugestão de uma atriz que inspire charme, elegância (com figurinos Balenciaga) e jovialidade mas que, tendo sido desprezada pelo amante, é capaz de gestos inusitados como adquirir uma machadinha sugestionando que cometerá algum ato extremo. 

Ambiência surrealista do filme de Almodóvar inspirado em peça de Jean Cocteau, com similar titularidade.2020. Foto/divulgação.

Seus embates verbais, sob compasso metalinguístico de um nervoso solilóquio, ao fazer uso do celular, expõe de uma maneira crua seus conflitos emocionais sobre a não aceitação do abandono pelo amante.  Recorrendo, quase que numa pulsão catártica para escapar do abismo psíquico, a posturas extremas como ecos de seu violento desespero.

Como a de derramar um litro de gasolina em sua ambiência doméstica que, de um luxo kitsch naturalista, acaba por transmutar-se, entre chamas,  num set de gravação ou de um depósito industrial sem indicação precisa de localização, embora cenas externas acabem por dar pistas  de que se passam em Madrid.

E onde a atriz britânica Tilda Swinton tem uma de suas mais envolventes performances, capaz de lembrar sua exponencial interpretação em "Precisamos Falar sobre Kevin", ressaltando, também, que esta é a primeira concepção de Almodóvar exclusivamente sustentada em língua inglesa, sendo enriquecida ainda com uma trilha sonora (Alberto Iglesias) com leitmotivs de alguns de seus mais conhecidos filmes.

Por sua duração que o aproxima mais de um curta sem chegar a ser um média metragem, espera-se que A Voz Humana, com reconhecido aplauso de público e de crítica no último Festival de Veneza, fique liberado pelo menos nas plataformas digitais. Por não alcançar o tempo mínimo para ser exibido nos circuitos cinematográficos, como a possível e talvez única saída para consolo do extenso fã clube do polêmico cineasta espanhol.

                                            Wagner Corrêa de Araújo


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A mulher abandonada pelo amante e seu cão, fiel escudeiro do ex e agora dela. Cena do filme A Voz Humana. 2020. Foto/divulgação.
(Esta crítica é dedicada ao querido diretor Cesar Augusto por ter ter dado a pista inicial para esta incrível descoberta).

STUTTGART BALLET : TRIBUTO COREOGRÁFICO TRÍPLICE AOS 250 ANOS DE BEETHOVEN

EINSSEIN. Coreografia inédita de Mauro Bigonzetti. Abril 2021. Foto/Stuttgart Ballet.


Mais uma destas surpreendentes estreias virtuais para preencher a distância dos palcos em tempos pandêmicos. Neste primeiro dia de abril, o Stuttgart Ballet apresentou, em noite de estreia mundial, três obras coreográficas concebidas como performance dimensionada para os limites de segurança sanitária e sem público presencial .

De Hans van Manen, um dos baluartes da dança no século XX, duas de suas obras icônicas : a Grosse Fuge, original de 1971, e o  Adagio Hammerklavier, de 1973 e, certamente, uma de suas mais celebradas criações. O  programa é completado com a première de Einssein, a mais recente concepção do coreógrafo italiano Mauro Bigonzetti.

Duas com excertos de sonatas beethovianas e a terceira (Grosse Fuge) tendo como base movimentos dos dois últimos Quartetos para Cordas do compositor. Com parte reduzida do elenco do Stuttgart Ballet em virtude dos protocolos impostos pelo surto da Covid-19.


GROSSEN FUGE. Coreografia de Hans van Manen. Abril de 2021.Foto/Stuttgart Ballet.

O mais curioso nestas obras é que elas representam uma resposta a um antigo questionamento de George Balanchine que, em declaração ao próprio Van Manen, nunca acreditou nas possibilidades coreográficas para uso da música de Ludwig van Beethoven. Este último, inclusive, só escreveu uma composição exclusivamente destinada à dança – As Criaturas de Prometeu, em 1801.

Raramente retomada na primeira metade do século passado e que acabou sendo eclipsada pela prevalência de adaptações coreográficas posteriores, a partir da inspiração em obras camerísticas, entre sonatas e quartetos, e de algumas de suas sinfonias.

A postulação de Balanchine, em períodos sequenciais, foi assim contestada desde as próprias transcrições de Van Manen à emblemática versão da Sétima Sinfonia por Uwe Scholz, além de referenciais transposições de passagens composicionais de Beethoven através de Maurice Béjart

Recentemente, também o Het Nationale Ballet partiu da premissa Balanchine/Van Manen e fez seu tributo às comemorações Beethoven, reunindo obras de Van ManenToer van Schayk, além de uma versão livre do Prometeu, por três jovens coreógrafos, sob o titulo de Fogo Divino.

Neste programa precioso do Stuttgart Ballet, destaca-se o Adagio Hammerklavier, com sua rigorosa e sensitiva exploração da dança  abstrata transmutada em pura estética gestual, sob substrato neoclássico com acompanhamento pianístico ao vivo e destinada a três casais. Van Manen define a obra como “Uma ode à desaceleração. Tal como uma roda ou pião que ainda está se movendo após um empurrão, pouco antes de cair”.

Enquanto a Grosse Fuge, utilizando movimentos dos derradeiros Quartetos de Cordas de Beethoven, se aproxima mais de uma fusão com a linguagem contemporânea, dança pela dança, o "ato puro das metamorfoses", embora sem deixar de lado um certo e sutil sotaque do estilo neoclássico. Podendo, em livre avaliação temática, sugerir o confronto entre o masculino e o feminino, no entremeio do domínio e da submissão.

Quanto à obra inédita de Mauro BigonzettiEinssein - também com uso de excertos de sonatas para piano de Beethoven, sua proposta avança por novos caminhos que aproximam a obra da dança-teatro. Em investigativa pulsão da corporeidade energizada por um gestual mimético, interativo com o piano e seu intérprete e em formações grupais que remetem a uma potencial visualidade escultórica.

                                          Wagner Corrêa de Araújo

                                             

ADAGIO HAMMERKLAVIER. Criação de Hans van Manen. Abril de 2021. Foto/Stuttgart Ballet. 

O espetáculo foi disponibilizado nas plataformas virtuais, por uma semana, através do You Tube - Beethoven Ballets /The Stuttgart Ballet Livestream.

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