Nos idos de abril de 1974, no palco do Palácio das Artes (BH), logo
após receber os aplausos pela apresentação do Romanceiro
da Inconfidência, em gesto carregado de simbólico afeto, como se os versos de
Cecilia Meirelles metaforicamente continuassem no entremeio dos bastidores
daquele teatro (onde eu, aos vinte e poucos anos, mal tinha começado a
trabalhar), Maria Fernanda me entrega as rosas recebidas dizendo - elas não são
minhas, são para você...
“Os sonhos foram
sonhados/E o padecimento aceito. E onde estás, Amor-Perfeito? Os sonhos são
flores altas/de umas distantes montanhas/que um dia se alcançarão!”(Cecília
Meireles).
A partir daí estabelecemos uma surpreendente amizade que se
estendeu através dos anos, em linda correspondência epistolar onde as coisas
eram ditas através da poesia de Cecília, entremeadas com ocasionais vindas de
Maria Fernanda a BH. Para viagens inesquecíveis às cidades barrocas, numa
destas para acompanharmos Maria Lúcia Godoy cantando como Veronica, numa
procissão de Sexta Feira Santa em Congonhas.
Por intermédio dela, fui recebendo edições de livros de
Cecilia Meireles, todas com carinhosas dedicatórias, mais uma vez usando os
seus versos. Depois vieram os poemas gravados, muitos também de Garcia Lorca,
em preciosas fitas cassetes com a envolvência do típico timbre de voz grave que
era um dos atributos dramatúrgicos de Maria Fernanda.
E brincadeiras poéticas com os postais de A Dama e o
Licornio, acendendo mais nossa paixão recíproca pelas temáticas medievais, e
através do inusitado convite para ser um dos iniciados alquímicos do que ela denominou, ludicamente, de
Ordem da Lagartixa, Da Transparência, Ou do Amor Total”...
Esta era Maria Fernanda que seria fundamental também na minha
introdução ao oficio crítico no universo teatral, quando fui convidado para ser
o responsável pela criação documental no entorno do espetáculo E O Vento Não Levou, onde ela
contracenava com Yara Amaral, sob a direção de Roberto Vignati, isto já em
1984.
Depois, começou seu progressivo afastamento dos palcos, a
que se seguiu o distanciamento das telenovelas, onde mais uma vez brilharia em
papéis marcantes, e também das telas do cinema, onde estreara no tocante filme inacabado A
Mulher ao Longe, de Lúcio Cardoso, 1949, reeditado em formato documentário por Luiz Carlos Lacerda, 2012.
Ainda estive com ela algumas raras vezes nas plateias de
teatros cariocas, onde atuava como integrante da comissão julgadora do Premio
Shell. E, então, seu isolamento crescente foi se tornando absoluto nos últimos
anos mas, felizmente, chegamos ainda a conversar em uma ou duas ocasiões pelo
telefone.
Numa destas com a intenção de estabelecer o contato dela com
o exímio pesquisador Gui de Castro Neves que, nos últimos tempos, nunca deixou
de exaltá-la, em suas tributárias postagens, como uma destas raras divas
completas da cultura teatral brasileira, imortalizada como a mais perfeita entre todas as Blanche DuBois.
Quanto a mim, como há de se esquecer de alguém que escrevia inspirada por palavras singelas e tão lindamente cecilianas :
“Sabe aquela tímida sensação de tocar-se o mistério da contemplação. De contempla-lo serena? Pois era só isso. Guardo-a comigo. Afinal, era o resultado de uma experiência tão pessoal, tão íntima – minha comigo mesma, com Cecília, com o momento mágico das coisas; com você, com a secreta conivência de tudo, com nós dois”...