FOTOS/LEONARDO MIRANDA |
No final dos anos 70, integrando a coordenação artística do Palácio
das Artes (BH) testemunhei uma das mais viscerais performances plásticas já vistas
em sua Grande Galeria, tendo como substrato material uma urna/ útero de barro de
onde era gerado o corpo/feto da artista plástica Celeida Tostes.
Três décadas depois reencontro um referencial daquele momento
de inventividade ímpar na proposta coreográfica do performer, coreógrafo e
artista plástico Márcio Cunha – Casa de
Barro.
“Cobri meu corpo de
barro e fui / Entrei no bojo do escuro, ventre da terra/O tempo perdeu o
sentido do tempo/Cheguei ao amorfo”...
Como nos versos que serviam de mote para a apresentação da ceramista
carioca, Márcio Cunha realiza um ritual de celebração da corporeidade.Despojando-se numa imersão de fisicalidade, através do barro informe e cru, elemento geológico metaforizando o ser e o não ser,
entre a ancestralidade e o tempo futuro.
Numa proposta sequencial do encontro da linguagem coreográfica
com a criação plástica, desenvolvida com incisiva instintividade nas suas três
últimas obras, em arrojada releitura gestual do icônico legado artístico de Frida Kahlo, Basquiat e Bispo do Rosário.
Na recorrência a uma paisagem plástica moldada num espaço cênico
com elementos de barro e plástico circundada, frontal e lateralmente, por
objetos fragmentários de cerâmica, como se reproduzisse um imaginário recorte arqueológico
imemorial, de um tempo além do tempo.
Numa pulsão provocadora palco-plateia, artista-espectador, sustentada
por certeiras sonoridades primitivo-tribais no entremeio de ecos da natureza, presenciais nos acordes afro-brasileiros de canções e fraseados indigenistas/religiosos (do
repertório de Gilberto Gil e Virginia Rodrigues).
Que se estendem à espontaneidade com que Márcio Cunha
imprime, em linguagem corporal seca e direta, com perceptível nuance introspectiva, a concentração
dramático-coreográfica necessária para um artista múltiplo (bailarino, coreógrafo, performer, escultor) dar o seu recado estético-reflexivo.
De transes humanos entre a manipulação do barro e as pausas psicofísicas
de silêncio, às vezes fazendo uso de histriônicas expressões faciais de
surpresa, tensão e assombramento diante dos insondáveis mistérios de sua origem
e destinação.
Com o olhar armado no seu instigante questionamento como artista e
criador e no medo, como homem e ser político,
diante da trajetória instável de certa Nação, aqui e agora, sendo moldada tal qual uma "casa de barro"...
Wagner Corrêa de Araújo
CASA DE BARRO está em cartaz no Sesc Copacabana (Mezanino),
de sexta a domingo, às 20h. 50 minutos. Até 24 de novembro.