No entremeio de duas frentes – os que vem de fora e as
produções locais - a programação teatral avançou em posição frontal neste campo
de batalha que se tornou o palco
carioca.
Assim foi com o grupo Carmin,
lá das bandas do Norte, na sua gramática
cênica fluente e em seus achados de teor irreverente e instintivo, fazendo A Invenção do Nordeste dar pronto e
qualitativo recado ao Sudeste, como uma das mais gratas revelações da temporada
teatral. Sinalizado pela original e incisiva abordagem - antiestereótipos da
nordestinidade, através da direção de Quitéria Kelly e seus tríplices performers.
Quanto A Vida Não é um
Musical, projeto musical/dramatúrgico de Leandro Muniz, este desestrutura,
em satirizada abordagem, com riso inteligente e demolidor, as bases “fantasiosas” da fábrica formular de “sonhos musicais”. Numa fabulação longe dos verdes vales Disney, próxima do pesadelo politico/social brasileiro.
Ideário presencial também em Elza, O Musical onde o dramaturgo
Vinicius Calderoni transforma em leimotiv
uma fala que conduz a trama musical/biográfica – “Sobreviver é um ato político”
– capaz ainda de repercutir na inventiva transposição para o palco de outra
surpreendente direção concepcional e coreográfica de Duda Maia.
Com sete “Elzas” materializando-se cenicamente em
convicta entrega ao dimensionamento psicológico e à compreensão do personagem. Expandindo,
sem os vícios e maneirismos dos arroubos virtuosísticos, a força de um elenco
jovem e quase estreante.
Na vez dos monólogos, tres sensorais e especulativos exemplares. Beckett é retomado, mais uma vez, por Isabel Cavalcanti na
peça autoral The And, com outro
parâmetro transformador da habitual desconexão, da proposital lacuna e do no sense potencializados na escritura
cênica do autor irlandês, num suporte de maior acessibilidade às significações de
aprisionamento do homem contemporâneo.
Enquanto Ana Kfouri em Uma
Frase Para Minha Mãe usa sequenciais recursos técnicos de primeira ordem
para estimular a progressão de um texto difícil (Uma poesia culpada de prosa,
na definição autoral de C. Prigent). Cujo
experimentalismo acirrado, mesmo sob
iminente risco do hermético, não consegue impedir a sua expansão em cena
pela potencializada intensidade expressiva da atriz/diretora.
E Bruce Gomlevsky, ao assumir sua dúplice adaptação dramatúrgica (ao lado do
valioso suporte de Daniela Pereira de Carvalho), alcança em sua personificação um
significante substrato cênico, de corajoso psicologismo e energizada
fisicalidade. Assumidos no verismo cru e na visceral interatividade com aquelas trágicas
passagens da vida de Flávio Tavares expostas neste monólogo Memórias do Esquecimento.
Já na concepção dramatúrgica que a Cia.PeQuod imprime aos versos livres do alemão Heiner Muller desfilam, em ambiência de
instalação, cenas documentárias de perversidade, pavor, violência e destruição
ecoando a maldade implícita numa sociedade conservadora ancorada por falseados
valores. Assim - A Última Aventura é a
Morte - na solidez da postura crítica de um teatro de imersão, em processo
catártico faz aflorar, ao mesmo tempo,
sentimentos de indignação e de solidariedade.
Em Dogville, na
versão para o palco do filme, Zé Henrique de Paula arma uma proposta
diferencial por seu caráter investigativo, na releitura do original (que
dividiu o público das salas de cinema por seu teor provocativo e antilúdico), apostando,
aqui, no seu cerne crítico/ideológico como inventário dramático das indignidades
da condição humana refletidas na representação de extensivo elenco.
Na encenação de O
Inoportuno, de substrato
naturalista pelo contraponto crítico de uma linguagem dramatúrgica de latente
inconsequência e desalinhado sequencial, as perguntas sem resposta são
assumidas numa artesanal decodificação estética.
Onde a direção de Ary Coslov, assegura a este precioso legado
pinteriano a marca do assombro e da
intimidação capazes, sempre, de colocar o espectador em necessário e provocador
estado de mudança a partir do questionamento de seus três personagens.
Tanto pelo rigorismo com que usa de recursos estéticos para
marcar as pontes entre o processo de criação e a própria representação, como
por seu crescendo como impulso
inventor direcionado à progressiva e provocante
carga dramática, Tebas Land
finaliza 2018 em impactante proposta.
O que, a partir da conexão textual de Sergio Blanco com a direção
de Victor Garcia Peralta e a bravíssima atuação da dupla Otto Jr e Robson Torinni contextualiza, sem dúvida alguma, uma das melhores criações do ano teatral que se encerra.
Wagner Corrêa de Araújo
TEBAS LAND/ Foto by Jr. Marins |