RETROSPECTIVA TEATRAL 2018 - PARTE 2 : ENFRENTAMENTO E RESISTÊNCIA NOS PALCOS CARIOCAS


ELZA, O MUSICAL / Foto by Leo Aversa

No entremeio de duas frentes – os que vem de fora e as produções locais - a programação teatral avançou em posição frontal neste campo de batalha que se tornou o palco carioca.

Assim foi com o grupo Carmin, lá das  bandas do Norte, na sua gramática cênica fluente e em seus achados de teor irreverente e instintivo, fazendo  A Invenção do Nordeste dar pronto e qualitativo recado ao Sudeste, como uma das mais gratas revelações da temporada teatral. Sinalizado pela original e incisiva abordagem - antiestereótipos da nordestinidade, através da direção de Quitéria Kelly e seus tríplices performers.

Quanto A Vida Não é um Musical, projeto musical/dramatúrgico de Leandro Muniz, este desestrutura, em satirizada abordagem, com riso inteligente e demolidor, as bases “fantasiosas” da fábrica formular de “sonhos musicais”. Numa fabulação  longe dos verdes vales Disney, próxima do pesadelo politico/social brasileiro.

Ideário presencial também em Elza, O Musical onde o dramaturgo Vinicius Calderoni transforma em leimotiv uma fala que conduz a trama musical/biográfica – “Sobreviver é um ato político” – capaz ainda de repercutir na inventiva transposição para o palco de outra surpreendente direção concepcional e coreográfica de Duda Maia.

Com sete “Elzas” materializando-se cenicamente em convicta entrega ao dimensionamento psicológico e à compreensão do personagem. Expandindo, sem os vícios e maneirismos dos arroubos virtuosísticos, a força de um elenco jovem e quase estreante.

A INVENÇÃO DO NORDESTE/ Foto by Rogério Alves

Na vez dos monólogos, tres sensorais e especulativos exemplares.  Beckett é retomado, mais uma vez, por Isabel Cavalcanti na peça autoral The And, com outro parâmetro transformador da habitual desconexão, da proposital lacuna e do no sense potencializados na escritura cênica do autor irlandês, num suporte de maior acessibilidade às significações de aprisionamento do homem contemporâneo.

Enquanto Ana Kfouri em Uma Frase Para Minha Mãe usa sequenciais recursos técnicos de primeira ordem para estimular a progressão de um texto difícil (Uma poesia culpada de prosa, na definição autoral de C. Prigent). Cujo experimentalismo acirrado, mesmo sob  iminente risco do hermético, não consegue impedir a sua expansão em cena pela potencializada intensidade expressiva da atriz/diretora.

E Bruce Gomlevsky, ao assumir sua dúplice adaptação dramatúrgica (ao lado do valioso suporte de Daniela Pereira de Carvalho), alcança em sua personificação um significante substrato cênico, de corajoso psicologismo e energizada fisicalidade. Assumidos no verismo cru e na visceral interatividade com aquelas trágicas passagens da vida de Flávio Tavares expostas neste monólogo Memórias do Esquecimento.

Já na concepção dramatúrgica que a Cia.PeQuod imprime aos versos livres do alemão Heiner Muller desfilam, em ambiência de instalação, cenas documentárias de perversidade, pavor, violência e destruição ecoando a maldade implícita numa sociedade conservadora ancorada por falseados valores. Assim - A Última Aventura é a Morte - na solidez da postura crítica de um teatro de imersão, em processo catártico faz  aflorar, ao mesmo tempo, sentimentos de indignação e de solidariedade.

Em Dogville, na versão para o palco do filme, Zé Henrique de Paula arma uma proposta diferencial por seu caráter investigativo, na releitura do original (que dividiu o público das salas de cinema por seu teor provocativo e antilúdico), apostando, aqui, no seu cerne crítico/ideológico como inventário dramático das indignidades da condição humana refletidas na representação de extensivo elenco.

Na encenação de O Inoportuno, de  substrato naturalista pelo contraponto crítico de uma linguagem dramatúrgica de latente inconsequência e desalinhado sequencial, as perguntas sem resposta são assumidas numa artesanal decodificação estética.

Onde a direção de Ary Coslov, assegura a este precioso legado pinteriano a marca do assombro e da intimidação capazes, sempre, de colocar o espectador em necessário e provocador estado de mudança a partir do questionamento de seus três personagens.

Tanto pelo rigorismo com que usa de recursos estéticos para marcar as pontes entre o processo de criação e a própria representação, como por seu crescendo como impulso inventor direcionado à progressiva e provocante  carga dramática, Tebas Land finaliza 2018 em impactante proposta.

O que, a partir da conexão textual de Sergio Blanco com a direção de Victor Garcia Peralta e a bravíssima atuação da dupla Otto Jr e Robson Torinni contextualiza, sem dúvida alguma, uma das melhores criações do ano teatral que se encerra.

                                              Wagner Corrêa de Araújo

TEBAS LAND/ Foto by Jr. Marins

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