FOTOS/KELLY KNEVELS |
Entre sombras, ruídos/palavras. Na sua contemplativa invisibilidade,
insinuações de formas esparsas. E um rosto na penumbra que só revela a silhueta de um olhar e de uma boca em movimento...
Assim começa a singular performance da atriz, diretora e
autora Grace Passô , que ela titulou de Vaga
Carne. Uma inusitada experimentação da teatralidade entre o que se ouve e o que não se vê, pela prevalência do verbo dissociado do corpo físico.
Pesquisa apurada em sua carga inventiva com distanciados ecos referenciais. Ora remetendo ao Beckett de Eu Não, com sua
personagem sem corpo, uma voz audível no escuro. “Sou uma voz. Apenas isso”,
nas palavras de Grace.
Ora ao Artaud que
renega a palavra desgastada, mediocrizada na sua ressonância cotidiana, pela
priorização afirmativa do corpo, como instigante veículo estético da verbalização.
Uma voz ficcional , em busca de sua materialização. Metafórica,
imaginária, idealizada. Voz tornada invasora da fisicalidade, corpo/ carne /sangue de Grace. E que "vaga", incursiona,
estabelece, observando e observada, liames reflexivos entre o sujeito/intérprete e o objeto/espectador.
Com frases entrecortadas, entre pausas de silencio, na tensão do não dito ou do que prescinde de
esclarecimento. Carregada de alusões oblíquas, na sua exposição sóbria e sofrida, entre veias e vísceras, do
mais incisivo e ácido das interiorizações.
Onde a palavra e o gesto perfazem uma gramática cênica de
concisão dramática capaz, mesmo assim,
de revelar o inesperado na sua liberdade narrativa, instintiva, irreverente.
Um instante criador, particularizado e diferencial, de um
monólogo/performance , elaborado em sua concepção plástico/dramatúrgica por
Grace Passô. Sem dispensar o aporte valoroso de Kenia Dias e Ricardo Alves Jr, além de Nadja Naira (iluminação),
Ricardo Garcia(score sonoro/musical) e Virgílio Andrade (figurino).
Muito além das possibilidades do ato da representação individualizada,
de potencialidade carismática e de domínio
artesanal, sobre os conflitos psicológicos de uma mulher enquanto atriz e
personagem, Vaga Carne não deixa ,também,
de ser um ato de rebeldia.
Corajoso, feroz, desmistificador, no seu substrato social e
político, longe do medo de denunciar preconceitos de cor e sexo.
Capaz, enfim,
de alertar, contra a segregação artística que “exclui da zona de visibilidade”
todas as minorias e marginalizações da
condição humana.
VAGA CARNE está em cartaz no Sesc/Copacabana, terça, quarta e quinta, às 20h;sexta e sábado,ás 19h;domingo às 18h. 50 minutos. Até 28 de agosto.