SUSTO: HUMOR AFINADO PARA TEMPOS DE ESPANTO


FOTOS/GUIDO GIACOMAZZI

Surpreendeu desde sua primeira realização -  Surto (2003) - a proposta comediógrafa, com inusitado substrato interpretativo, dos atores Wendell Bendelack e Rodrigo Fagundes e sua  Cia Os Surtados. Pois eles estão de volta na releitura de outro de seus sucessos, O Incrível Segredo da Mulher Macaco, este de oito anos atrás e agora titulado como Susto.

Onde, mais uma vez, se reúne a original equipe de criação para outra energizada performance, sob a artesanal direção e autoria dramatúrgica de Saulo Sisnando e quase que, na integralidade, mantendo a mesma equipe tecno-artística dos outros espetáculos.

Contando ainda, além dos atores protagonistas, com o valioso suporte de um silencioso terceiro personagem, o “gorila” ou “mulher macaco”(por Renato Bavier), que assusta com suas interações de fisicalidade humano/símia e seus arrojados avanços pela quarta parede.

Em saudável retomada da comédia-terror, um gênero que está sempre à beira do estereótipo e do lugar comum, o ideário dramatúrgico de Susto faz uso inteligente de referenciais nuances cômicas. Sabendo dosar bem do besteirol ao novelesco/ melodramático, do burlesco circense ao terrir cinematográfico, da farsa à comédia rasgada, sempre na vertente da melhor tradição do teatro popular.

Fazendo um mix de espontânea inventividade e irônica risibilidade em torno de citações literárias ( Emily Brontë, Margaret Mitchell, Conan Doyle e Agatha Christie), clichês  clássicos de melodramas e filmes de terror, além de debochados retoques de chanchada carnavalesca, teatro de revistas e de besteirol.

Na conectividade de uma ambiencia assombrada, na concepção cenográfica (Rodrigo Fagundes,Saulo Sisnando e Wendell Bendelack) com modulações luminares (Paulo Roberto Moreira), na inserção de funcionais efeitos sonoro-musicais (Rodrigo Fagundes e Saulo Sisnando) e nos ironizados figurinos (Marcelo Marques) de época, entre o escracho e a fidelidade.

Concorrendo tudo, enfim, para integralizar a peculiar absurdidade e as insanas surpresas de uma trama cômica com progressão dramática entre o riso e o espanto, entre o assombramento e o “susto”.

Conduzida com maestria pela direção de Saulo Sisnando sabendo explorar, sem quebra do ritmo, a opção pela verve do humor que, em sua fluente linguagem, nunca perde os mecanismos do lúdico a partir de situações farsescas.

Com uma luminosa dupla de atores que explora todos os contornos da alterativa troca entre seis personagens. De exponenciais arroubos folhetinescos nos papéis assumidos em contracena tanto por Wendell Bendelack como por Rodrigo Fagundes.

Embora, através deste último, prevaleça o contraponto de uma representação sustentada propositalmente em tons mais intimidados, diante do intencional exagero do primeiro ator tornando, assim pelo contraste postural, mais incisiva a pulsão do riso e do escárnio.

Mas, sobretudo, sintonizados ambos na mesma tarimba do satírico e em similar grau de calibrado humor crítico. Em provocativo instante de envolvência ator/espectador num clima de descontração e desprendimento, mais que necessário para tempos vividos no entremeio do desalento e do “Susto”...

                                       Wagner Corrêa de Araújo


SUSTO está em cartaz no Teatro dos Quatro, Shopping da Gávea, terças e quartas, às 21h. 80 minutos. Até 27 de fevereiro, com breve previsão de nova temporada.

7ª EDIÇÃO DO PRÊMIO BOTEQUIM CULTURAL : OS VENCEDORES


FOTO/ANDRÉ PINOLLA

  
A 7ª Edição do Premio Botequim Cultural teve uma noite especial, na quarta feira 20 de fevereiro, no palco do Teatro Sesi/Firjan, à altura da justa importância e do alcance desta premiação, tanto no meio teatral como no reconhecimento do público.

Onde a seleção final dos vencedores acontece em votação popular pelas redes virtuais, partindo de seis indicados, para cada uma das 22 categorias, por um júri integrado por Gilberto Bartholo, Sérgio Fonta, Wagner Corrêa de Araújo, Zé Helou, além de Renato Mello, o responsável e idealizador desta vitoriosa iniciativa pela arte cênica e pela cultura brasileira.

Tendo duas marcas diferenciais em relação a outras competições do gênero. A primeira na inclusão do Teatro Infantojuvenil entre suas categorias e a segunda pela possibilidade de veredito conferido, indistintamente, tanto aos criadores e profissionais deste oficio artístico como ao público frequentador e apreciador de nossos palcos.

Apresentada com brilho rítmico, em compasso bem humorado e exponencial simpatia, pelos atores Carol Garcia e Márcio Nascimento, provocando convictos e espontâneos comentários elogiosos. Entre estes, de  um dos premiados - Artur Xexéu - e também da pequena mestra no cerimonial da entrega dos troféus – Bibi, a  filha de Renato Mello, que afirmou categóricamente "serem eles os melhores do mundo".

E enriquecida ainda por um breve e singelo tributo musical, em clarineta solo sob tema de Gota d'Água, a Bibi Ferreira pelo saxofonista Edgar Duvivier, também criador da tão disputada estatueta/troféu em bronze representando Dom Quixote.

Com metafórica idealização da luta por um sonho, no imaginário plástico/escultórico, identificando os delírios do quixotesco anti-herói frente a moinhos de vento com o enfrentamento de absurdos embates para possibilitar o ser e o fazer no universo teatral.

Os três espetáculos campeões de prêmios foram Bibi-Uma Vida em Musical, seguido de Tebas Land e Diário de Pilar na Grécia.


PRÊMIO ESPECIAL

Vem! Ágora, pela residência artística do Teatro Ipanema, revitalizando o espaço e dignificando os 50 anos de existência e resistência, comemorados em 2018

CATEGORIAS TÉCNICAS

DIREÇÃO MUSICAL
Antonio Adnet, Larissa Luz e Pedro Luís por “Elza”

CENOGRAFIA
José Dias por “Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de ser Triste?”

FIGURINO
Claudio Tovar por “O Homem de la Mancha”

ILUMINAÇÃO
Rogério Wiltgen por “Bibi, uma Vida em Musical”

ATOR/ATRIZ EM PAPEL COADJUVANTE

ATOR EM PAPEL COADJUVANTE
Vitor Thiré por “Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de Ficar Triste?”

ATRIZ EM PAPEL COADJUVANTE
Nicette Bruno por “Pippin”

TEATRO INFANTOJUVENIL

MELHOR ESPETÁCULO
“Diário de Pilar na Grécia”

MELHOR DIREÇÃO
Diego Morais “Tropicalinha – Caetano e Gil para Crianças”

MELHOR AUTOR (original/adaptado)
Ana Velloso e Vera Novello por “O Choro de Pixinguinha”

MELHOR ATOR
Pedro Monteiro por “Diário de Pilar na Grécia”

MELHOR ATRIZ
Miriam Freeland por “Diário de Pilar na Grécia”

TEATRO MUSICAL

MELHOR ESPETÁCULO
“Elza”

MELHOR DIRETOR
Duda Maia por “Elza”

MELHOR AUTOR (ORIGINAL/ADAPTADO)
Artur Xexéo e Luanna Guimarães por “Bibi, uma Vida em Musical”

MELHOR ATOR
Chris Penna por “Bibi, uma Vida em Musical”

MELHOR ATRIZ
Amanda Acosta por “Bibi, uma Vida em Musical”

DRAMA/COMÉDIA

MELHOR AUTOR (ORIGINAL/ADAPTADO)
Henrique Fontes e Pablo Capistrano por “A Invenção do Nordeste”

MELHOR ATOR
Robson Torinni por “Tebas Land”

MELHOR ATRIZ
Denise Fraga(A Visita da Velha Senhora)

DRAMA/COMÉDIA

MELHOR DIREÇÃO
Victor García Peralta por “Tebas Land”

MELHOR ESPETÁCULO
“Tebas Land”

 MÁRCIO NASCIMENTO E CAROL GARCIA, OS ATORES/APRESENTADORES.

MELHORES E PIORES NO BLOG ÓPERA & BALLET


O CAVALEIRO DA ROSA / TMSP

Blog independente (www.operaeballet.blogspot.com.br) interligado a uma rede de oito blogs, exclusivamente voltados à divulgação e à opinião crítica, com a participação colaborativa de alguns dos maiores especialistas nestas linguagens artísticas (ópera, dança, música de concerto).
Entre eles Ali Hassan Ayache, o idealizador e responsável por este valoroso veículo virtual dedicado ao registro opinativo de todas as manifestações da ópera, da dança e da música de concerto no País.
A seguir,  as nossas indicações do Melhor e do Pior dos espetáculos de 2018, a partir de críticas de ópera e dança publicadas no blog OPERA & BALLET.

PIOR ESPETÁCULO DE ÓPERA

Uma equivocada proposta estética de substrato futurista de Um Baile de Máscaras no Municipal do Rio, sob efeitos computadorizados no ideário de Pier Francesco Maestrini, e que poderia seduzir pelo inusitado mas decepcionou pelo resultado pretendido, para uma partitura verdiana controvertida em sua transmutação temporal/ galática. Diluindo o dimensionamento psicológico dos personagens pelo carregado sombreamento do desenho de luz e pelas visualizações numéricas e cronológicas que ora remetem, sem disfarce, aos efeitos de uma tela virtual. Com um acentuado sotaque kitsch nos traços néon da indumentária escura lembrando ambiências de pistas clubber ou de desfiles carnavalescos.

PIOR CANTOR SOLISTA

O desequilíbrio do elenco protagonista no Baile de Máscaras (TMRJ) onde a convicta tessitura dos brasileiros atende às exigências de seus papeis e transforma em ‘um arremêdo o “ascensional” talento do tenor italiano Leonardo Caimi (como Gustavo). Com alcance abafado, ausência de coloração, desde sua romança inicial, e sem qualquer indício de “crescendo” nas cenas sequenciais.

PIOR ESPETÁCULO DE DANÇA

O Ballet du Capitole de Touluse, com o espetáculo Nos Passos de Nureyev foi anunciado como uma retomada de alguns momentos capitais da trajetória de Nureyev, cada número dando esperança de que, certamente, haveria ali uma memorável representação. Sem servir de autenticado referencial, mesmo com seu elogiável propósito/tributo, a um dançarino apolíneo, padrão entre a fisicalidade masculina erotizada e uma sensitiva gestualidade quase feminina, o Ballet du Capitole de Toulouse, com mais erros que acertos, tornou, enfim, pálida a lembrança dos passos de Nureyev.

MELHOR DIREÇÃO DE CENA

A resposta está exemplificada nesta La Traviata do TMSP, coerente na tradição sintonizada com a contemporaneidade em encenação assumida, com raro brio, pelo experimentado comando teatral de Jorge Takla. Que, mais uma vez, trouxe para o universo musical da ópera a exploração do componente formal (dramático/gestual) necessário à progressão da narrativa e ao devido retrato psicofísico dos personagens.

MELHOR CENÁRIO E MELHOR FIGURINO

La Traviata foi exponencial em seu conjunto, desde a concepção dos imponentes mas funcionais cenários de Nicolás Boni à unicidade requintada dos figurinos (Cássio Brasil) através de equilibradas nuances em tecidos e cores combinando, sem nunca cair no mau gosto, com a mascaração, no visagismo e no uso dos acessórios.

MELHOR ESPETÁCULO DE DANÇA

Temporada Paulista – SPCD (São Paulo Cia de Dança)

Revelando os sérios propósitos e os avanços estilísticos de um grupo brasileiro de dança, provocativo de sólida convivência da tradição clássica à contemporaneidade, através de obras mestras destas duas tendências. Sempre sob o olhar artesanal e o comando seguro de Inês Bogéa, via sua incrível trupe de 30 bailarinos. À diretoria artística da SPCD não falta inteligente arrojo ao privilegiar, num mesmo espetáculo, três obras de Marco Goecke, coreógrafo sob a prevalente marca criativa de reiterativa linguagem gestual, entre o automatismo simétrico e a mecanicidade nervosa.

SPCD (SÃO PAULO CIA DE DANÇA) - Programa Marco Goecke

Temporada Carioca  – FOCUS CIA DE DANÇA

Em seus quase vinte anos, esta Cia, através de seu coreógrafo - diretor Alex Neoral e de seu consistente elenco de oito bailarinos, vem priorizando um alentado desdobrar-se na busca de novas perspectivas para a criação coreográfica brasileira.
Com Still Reich, por sua Focus Cia de Dança, Alex Neoral e seus oito bailarinos conduzem a performance, ora na sequencialidade energizada de entradas e saídas, ora nas sensoriais formações grupais. Interpelando, no entremeio de um rígido jogo gestual de padrões, ora geometrizados ora abstratos, as relações de movimento dos bailarinos com o preenchimento do espaço cênico.

Temporada Internacional – ROMEU E JULIETA/BALLET DE SANTIAGO

A programação, de substrato clássico, alcançou seu melhor momento na representação do Ballet de Santiago para o Romeu e Julieta, original de Cranko, na perfeita sintonia de elementos técnico/artísticos com segura atuação do elenco. Sabendo, sobretudo, acentuar na gestualidade e nas caracterizações, a carga de expressividade teatral que a coreografia propicia aos bailarinos. Numa bela proposta sob o comando de Márcia Haydée, com raro equilíbrio entre técnica e emoção, teatro e dança.

REVELAÇÃO LÍRICA-MASCULINO, REVELAÇÃO LÍRICA-FEMININO 

No confronto com a representação dos papéis protagonistas, mais uma vez alguns solistas brasileiros mostraram folego maior e convicção apurada na competição do habitual ringue das vozes estrangeiras convidadas.
Como em Turandot, a irradiante atuação da soprano Gabriella Pace (Liú) e seu consistente timbre capaz, sempre, de preencher as exigências de sua personagem. Sem deixar de destacar a força dos graves na tessitura do baixo Luiz Ottavio Faria (Timur) ainda que em episódicas entradas.

MELHOR ORQUESTRA-MELHOR REGENTE

Com recursos de perfeccionismo sinfônico, elementos estilísticos que a montagem de O Cavaleiro da Rosa, como segundo espetáculo da Temporada Lírica 2018 do Municipal paulista, soube explorar com sensível e avançado senso artístico. Desde a primorosa leitura do maestro Roberto Minczuck atenta à escrita straussiana e sabendo alcançar o tônus idealizado do volume orquestral para privilegiar os cantores de um elenco, com prevalência expressiva entre os solistas convidados, ao lado do Coral Paulistano e da Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo.

MELHOR CANTORA SOLISTA 

Numa encenação multifacetada de quase vinte personagens no Cavaleiro da Rosa, alguns deles em alternância de papéis, os destaques ficaram com o quarteto de protagonistas. Seguindo-se, no naipe feminino, a postura exponencial em transmutações teatrais de Luisa Francesconi no papel de Octavian, assim como no timbre incisivo e na segurança de uma voz admirável de mezzo-soprano.

MELHORES REGISTROS ( DVDs /Blu-rays)  DE ÓPERA E DANÇA

A maior surpresa em registro de espetáculos coreográficos foi o Blu-ray que marcou as comemorações do centenário de nascimento de Leonard Bernstein – BERNSTEIN CELEBRATION – com três novas criações para o Royal Ballet de Londres.

Yugen em inventiva incursão de Wayne McGregor, a partir de fragmentos do Chicester Psalms, onde o brilho maior está no contraponto energizado dos solos vocais da composição musical com as performances individuais e formações grupais dos bailarinos.  Seguindo-se The Age Of Anxiety numa abordagem coreográfica de caráter narrativo, com realismo cenográfico, na concepção de Liam Scarlett tendo a participação de seis solistas, visualizando expressivos encontros erótico/amorosos em um bar noturno.

E, em Corybantic Games, com maior coragem na exploração investigativa da corporeidade e do movimento, numa proposta abstrata com o olhar armado na vanguarda do universo coreográfico. Por Christopher Wheeldon, com base na Serenata  (Corybantic  Games) do celebrado compositor americano.

                                           Wagner Corrêa de Araújo

LA TRAVIATA/ TMSP

A PRÓXIMA ESTAÇÃO : UM SINGULAR EXPERIMENTO CÊNICO


FOTOS/LENISE PINHEIRO

Há mais de uma década vem acontecendo uma fértil  pesquisa investigativa em torno da dramaturgia italiana, através do oficio criador de Cacá Carvalho e o processo colaborativo com o diretor Roberto Bacci, inicializado no Centro per la Sperimentazione e la Ricerca TeatraleE que já rendeu um tríptico de conotação pirandelliana com os espetáculos O Homem com a Flor na Boca (1994), A Poltrona Escura (2003) e Umnenhumcemmil (2012). 

Indo de Pirandello para um original representante do mais recente teatro italiano, o autor/ator/diretor Michele SanteramoQue, entre suas quinze peças encenadas, é reconhecido aos 44 anos como uma das surpreendentes revelações da dramaturgia europeia nestas duas últimas décadas, com a publicação e premiação de considerável parte delas.

Tendo, agora, - A Próxima Estação – Um Espetáculo Para Ler – como a a sua primeira peça levada aos palcos brasileiros em direção autoral, via colaboração artística de Roberto Bacci e Márcio Medina. Em representação no formato de literal leitura solista por Cacá Carvalho, paralela à projeção de desenhos, ilustrativamente criados para a montagem por Cristina Gardumi.

Eu me definiria como um autor vivo e não como contemporâneo. Minhas obras geralmente lidam com pessoas com uma forte conexão com a terra em que vivem (...) pessoas desfavorecidas que ainda reivindicam seu direito de viver”. (Michele Santeramo).

Palavras que, contextualizadas ao tempo e ao espaço do relacionamento conjugal de Violeta e Massimo, definem personificações ficcionais marcadas pelo dimensionamento psicológico e pelo presencial de sua paisagem de origem. Forjando a pureza coloquial e a espontaneidade comportamental de suas vivências a dois, desde o dia de um encontro decisivo, no ano 2025.

Mas que, na transcorrência incólume de quatro décadas de feliz união afetiva, são impactados pela transmigração para um futuro de nuance apocalíptica, nos idos de 2065. Onde a poesia do cotidiano cede lugar à sordidez, no substitutivo da moeda por sangue negociável, e a questão da sobrevivência fica entre o pânico e a resistência, no enfrentamento de uma terminalidade existencial assumidamente antecipada.

E é na transmutação cênica de narrativa tão simples quanto poética que reside o diferencial de uma proposta onde o elemento estético está sintonizado com uma sensorial exteriorização dos pequenos clímax e dos cativantes  mistérios da trajetória de dois personagens do dia a dia. 

Que só existem no imaginário das ilustrações sequenciais vistas em uma tela e no cativante fluir vocal/gestual imprimido pela performance energizada de Cacá Carvalho, no entremeio de seu dividir-se entre  ser o narrador fabular e o portador das frases e dialetações entrecortadas dos dois personagens.

Envolvendo, em mágica interatividade, uma progressão dramática que coloca, lado a lado, ator e público, sujeito e objeto, num interface de linguagens artísticas, indo do relato textual discursivo/literário à percepção vocal e plástica de uma imaginária onírica. 

Além da identificação e compartilhamento do espectador/intérprete com a leitura de episódicas rubricas sobre a tela. Sob inspirados acordes, prevalentemente pianísticos, de uma tríplice trilha original (Sergio Altamura, Giorgio Vendola Marcello Zinn). Onde Violeta e Massimo adquirem, ainda, traços referenciais dos animais de desenhos e livros infantis, num mix de ingênua alegria e patética tragicidade.

Para retratar, enfim, a consciente adversidade implícita à condição humana diante da inocência animal no entorno aceptivo à fatalidade final comum a todos os seres vivos. Em singularizado experimento cênico valorizando, sobremaneira, a presente temporada teatral.

                                           Wagner Corrêa de Araújo 


A PRÓXIMA ESTAÇÃO – UM ESPETÁCULO PARA LER está em cartaz no Sesc/Copacabana( Mezanino), de quinta a domingo,às 20h. 70 minutos . Até 24 de fevereiro.

40 ANOS ESTA NOITE: LÚDICA REFLEXÃO SOBRE O CASAMENTO ENTRE IGUAIS

FOTOS/DALTON VALÉRIO

Se as lutas emancipatórias pela causa LGBT tiveram sua inicialização mais efetiva a partir do final dos anos 60, tendo sofrido sempre os reveses do preconceito ampliado com o estigma da AIDS, o reconhecimento jurídico do casamento gay só começou tardiamente com a iniciativa holandesa de 2008.

Que, ainda enfrentando os percalços do conservadorismo social e da moral religiosa, vem lentamente se tornando um fato concreto, inclusive no Brasil onde começa a ser aceito mas ainda não gerou nenhuma mudança mais radical tanto no plano constitucional quanto no Código Civil. Tendo se tornado uma conquista mais pela sua prática constante que por sua não proibitividade, sem estar explicitamente declarada em dispositivo legislativo.

Ainda assim, aos poucos, vem se estendendo na sua conquista cidadã de regras iguais, sem distinção de relacionamento sexual, em casos de sucessão, usufruto, adoção, benefícios previdenciários, direito de nacionalidade, entre outras ações. Mas apesar destas vitórias, à custa de muitas lutas, ainda prevalece neste ringue o enfrentamento das regressões político/governamentais e de significativa ala de resistência pelo favorecimento evangélico apenas da procriação entre sexos diferentes.

Nesta última década, o tema da diferenciada orientação da sexualidade vem se expandindo, mesmo sob perceptível referencial subliminar, tanto no cinema, como no teatro e na televisão, e com maior ousadia no registro postural e afirmativo, entre prós e contras, das redes virtuais.

Fugindo de uma abordagem que privilegiasse os estereótipos da vida gay entre casais no convívio estável, a peça 40 Anos Esta Noite teve um tratamento temático hábil, partindo de uma idealização de Gisela de Castro, onde seu jovem autor Felipe Cabral (que também atua no espetáculo), imprime a fluência de tom bem humorado mas superativo de qualquer superficialismo comportamental e carência ideológica.

Numa narrativa coloquial, entre lembranças da trajetória de vida, conotações familiares e de alternativa sexualidade, passionalidade e amenidades afetivas, num jantar comemorativo do aniversário de quarenta anos de Gabriela (Gisela de Castro) organizado junto de sua companheira Clarice (Karina Ramil). Onde só destoa a discursividade e o dispensável didatismo de cena sobre a simbologia da bandeira arco íris na comunidade LGBT.

Tendo como convidado o casal formado por Bernardo (Gabriel Albuquerque) e seu recente namorado João (Felipe Cabral). Mas causando, enfim, iminente crise de ciúmes para os respectivos consortes feminino e masculino, a irreverente ideia de uma gravidez provocada da aniversariante em parceria com seu melhor amigo (Bernardo), visando suprir fracassadas tentativas de inseminação artificial.

Contando com o suporte de um energizado quarteto atoral fazendo os dois casais homoafetivos, sabendo imprimir espontâneos recursos histriônicos e dramáticos longe de virtuosismos supérfluos, em performances bem delineadas para uma representação de convicta unicidade.

Sob um desenho de luz climático (Russinho), figurinos extrovertidos (Carol Lobato) e envolvente trilha incidental (Kleiton Ramil), inseridos em paisagem cênica (Fernando Mello da Costa) sugestionando uma comunicativa decoraçao da sala  destinada à festa natalícia.

Com um sempre exponencial e revelador comando diretorial de Bruce Gomlevsky na pesquisa investigativa de novas soluções dramatúrgicas. Conduzindo,  outrossim, a nuance risível de uma comédia a um contextual  reflexivo, de absoluto propósito para um inseguro momento de atitudes obscurantistas, capazes de conturbar e interferir perigosamente na vida privada de cada cidadão.

                                              Wagner Corrêa de Araújo


40 ANOS ESTA NOITE está em cartaz no Teatro Ipanema, sábado, às 21h; domingo e segunda, às 20h. 90 minutos. Até 25 de fevereiro.

ESPELHOS : SOB REFLEXOS DE UMA DIALÉTICA TRANSPOSIÇÃO DRAMATÚRGICA


FOTOS/JOÃO CALDAS

Nada menos de duas almas. Cada criatura traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...”(Machado de Assis  - O Espelho).

O ator Ney Piacentini já incursionara no legado de Machado de Assis em Visões Siamesas, espetáculo de 2004, idealizado como um dos seus conceituais experimentos na Companhia do Latão.

E, agora, ele retoma o escritor carioca em monólogo que promove um elo, condutor e secular, do conto machadiano com outro de Guimarães Rosa, em similar titularidade. Quando, sobretudo, o espetáculo Espelhos pluraliza a metafísica identificação temática entre estas duas obras.

Nesta contextualização dialetal de dois personagens diante de seu reflexo especular, no entremeio de diferentes épocas, para questionamento do ser e do não ser da condição humana e do estar diante da sociedade.

Com imanente paralelismo da alma subjetiva com a alma nacional no olhar armado de dois escritores e na simbológica transmutação da sua linguagem literária, em provocante e investigativa gramática cênica conduzida por Vivien Buckup.

Aqui adaptada à representação solo de Ney Piacentini dividindo-se, em moto-contínuo, na pulsão do saber imprimir fisicalidade e vivência à palavra literária. Tornada presencial na voz e na gestualidade de Jacobina, o protagonista masculino do relato ficcional machadiano.

E, avançando, nesta proposta de ressignificar um precioso inventário fabular, em eletrizadas ressonâncias da corporificação de um narrador rosiano sem identidade nominal, no segundo módulo da performance.

Pela transcrição linear e fidedigna às textualidades originais torna-se perceptível a prevalência do sotaque literário, tanto na aproximação da pureza estética de Machado como na exponencial contemporaneidade estilística de Rosa.

De ocular predominância no primeiro conto, com sua iluminação climática e paisagem cenográfica com elementos de época (em dúplice empenho por Marisa Bentivegna), extensível ao recatado figurino(Fabio Namatame)sugestionando um cavalheiro carioca oitocentista.

Onde o fluxo dramático, em concepção atrelada apenas a uma quase leitura cênica, é sustentado por uma energizada entrega atoral à proposta. Que revela, subliminarmente, sua práxis épico-dialética ao imprimir um assumido efeito de distanciamento palco>plateia, ator>espectador.

Propiciado, principalmente, por seu aporte psico/filosófico e pelo contraponto critico na visão político/social do homem brasileiro. Além de maior exigência na decifração do conceito teatral de textos ficcionais intimistas, sem nenhuma concessão ao coloquialismo no fraseado e à facilitação vocabular.

Diante do risco da exposição, em sua intrínseca integralidade, desta dúplice textualidade de construção absolutamente literária, a partir de um discurso de recorrência metafisica, há que se considerar as diferenciais nuances na sua passagem livro/palco.

Assim, na tradução à teatralidade destes dois Espelhos de material livresco, enquanto o primeiro reflete maior sintonia especular com o élan machadiano, é o segundo que desvela um novo e mais arrojado olhar na transcrição do original rosiano. Ainda que, por vezes, quase estabeleça um acirrado duelo de linguagens.

Como se estivesse a potencializar o jogo inventivo e alterativo dos significados deste emblemático legado de sua escritura, aqui as palavras dançam em cada gesto atoral de desconstrução do eu diante do seu reflexo especular.

Mas tudo, enfim, revelando uma conexão entre o poder de interiorização e a envolvência sensorial no processo de criação de Ney Piacentini. Tornando, enfim, obrigatória a leitura simultânea do seu revelador testemunho do oficio de 20 anos na Companhia do Latão no recém publicado O Ator Dialético.

                                       Wagner Corrêa de Araújo


ESPELHOS está em cartaz no Teatro Poeirinha, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. 60 minutos. Até 24 de fevereiro.

PRÊMIO BRASIL MUSICAL - EDIÇÃO 2018 : OS VENCEDORES




PRÊMIO BRASIL MUSICAL, dedicado exclusivamente ao Teatro Musical, na sua primeira edição relativa aos espetáculos que estiveram em cartaz em 2018, acaba de divulgar sua lista dos vencedores, divididos por 27 categorias. Tendo como especificidade também a inclusão de musicais que estão fora do circuito Rio/São Paulo, no propósito de descentralização cultural com o intuito de valorizar ainda a produção regional do País. Foram assim criados júris representativos das regiões Centro OesteNordeste, Norte, Sudeste e Sul, além das comissões julgadoras do Rio e São Paulo.  Thomaz Brasil é o idealizador e mentor do Prêmio Brasil Musical.

Vencedores do I Prêmio Brasil Musical 

O Melhor Musical
Bibi: Uma Vida Em Musical

Musical Carioca
Elza

Musical Paulista
Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812

Musical Original
Elza

Musical Adaptado
Pippin

Musical Infantil
Tropicalinha

Sucesso de Público
Suassuna

Musical em Tour
Suassuna

Melhor Ator
Chris Penna (Bibi: Uma Vida em Musical)

Melhor Atriz
Amanda Acosta (Bibi: Uma Vida em Musical)

Melhor Ator Coadjuvante
Leo Bahia (Bibi: Uma Vida em Musical)

Melhor Atriz Coadjuvante
Nicette Bruno (Pippin)

Melhor Ator/Atriz Revelação
André Pottes (Avesso)

Melhor Alternate/Cover
Fred Silveira (O Fantasma da Ópera)

Melhor Ensemble
70? Década do Divino Maravilhoso

Direção
Duda Maia (Elza)

Texto Original
Vinícius Calderoni (Elza)

Trilha Original
Fabiano Krieger & Leandro Muniz (A Vida Não É Um Musical)

Versão Brasileira
Menelick de Carvalho & Vitor Louzada (Yank!)

Cenário
Natália Lana (Bibi: Uma Vida Em Musical)

Coreografia
Alonso Barros (Pippin)

Figurino
João Pimenta (Romeu + Julieta)

Musical Centro-Oeste
Mamma Mia! (Empório Cultural) (Brasília, DF)

Musical Nordeste
Bye Bye Natal (Natal, RN)

Musical Norte
Como É Que Se Diz Eu Te Amo (Belém, PA)

Musical Sudeste
A Pequena Loja dos Horrores (Campinas, SP)

Musical Sul
Rock Horror Show – Projeto Broadway – Curitiba,PR


Júri, com participação por regiões, tem a seguinte formação:

Belém, PA : Guál Dídimo (Diretor e Produtor), Tiago de Pinho (Ator e Produtor). 
Belo Horizonte, MG : Beto Sorolli (Revolução Vocal), Fernando Bustamante (Ator e Produtor). 
Curitiba, PR: Ricardo Bührer (Produtor e Versionista), Giovana Póvoas (Atriz e Dançarina), Débora Bergamo (Diretora).
Florianópolis, SC : Marco Audino (Diretor e Professor de Teatro). 
Fortaleza, CE : André Gress (Diretor e Produtor), Daniel Marinho (DM Versões), Juliana Saraiva (Diretora e Produtora). 
Macapá, AP: Cayton Farias (Ator e Produtor). 
Manaus, AM: Matheus Sabbá (Ator e Diretor).
Natal, RN: Danielle Galvão (Atriz e Produtora), Eduardo Zayit (Ator e Produtor). Porto Alegre, RS: Cíntia Ferrer (Atriz e Produtora), Cynthia Geyer (Musicista e Produtora). 
Recife, PE: Gabriel Lopes (Ator e Produtor). 

Rio de Janeiro, RJ: Alex Silva (Musical.Rio), Cláudio Martins (A Broadway É Aqui!), Gilberto Bartholo (O Teatro me Representa), Leandro Terra (Ator e Produtor), Leonardo Torres (Teatro em Cena), Marcelo Aouila (Aouila no Teatro), Paulo Fernando Góes (Incitarte), Thomaz Brasil (Broadway_Brasil), Wagner Correa de Araujo (Escrituras Cênicas). 

São Paulo, SP: Ali Hassan Ayache (Ópera, Musical & Ballet), Édipo Regis (A Broadway É Aqui!), Filipe Vicente (Setor VIP), Ligia Paula Machado (Atriz e Produtora), Rafael Oliveira (Musical em Bom Português).


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