FOTOS/ RENATO MANGOLIN |
O teatro simbolista de Maurice
Maeterlinck, na sua melancolizada retratação da trajetória humana sob a implacabilidade
do destino, revela ora traços do
niilismo de Schopenhauer, ora remete à passibilidade dos personagens de Tchekhov.
E, assim, as criações do dramaturgo belga contextualizam
metaforicamente as representações no palco, onde os atores não passariam de
marionetes sob o jugo de forças externas, como meros joguetes das adversidades
existenciais que os direcionam da vida para a morte.
O que ele induz, com perceptível clareza, no substrato temático de sua peça de 1894, Interior, originalmente de concepção absoluta para este gênero de representação por fios manipulados, mas que, ao
longo do tempo, deixou o rigorismo de sua exclusiva ligação a este particular
estilo.
Precedida, em formato tradicionalista, pela celebrada Pelléas et Mélisande, de 1892, verdadeira síntese de seu teatro
simbolista. Inicializando um irresistível pulso inspirador de suas obras para composições
musicais de Debussy, Fauré, Honegger, Paul Dukas, Sibelius e Schoenberg.
Num de seus ensaios, o autor explicava as bases de seu “drama
estático” pela prevalência de um códice cênico em que a expressão da
realidade no palco deveria acontecer através de alegorias e metáforas,
alterativas do não dito ao decifrável, provocando sensorial imersão do
espectador na narrativa dramático/poética.
Aqui, em acurada
tradução de Fatima Saad, este Interior,
de materialidade lírico/teatral, mostra um núcleo familiar - um casal (Tadeu
Matos e Gê Lisboa), suas duas filhas mais jovens (com elenco alternativo) e uma
criança de colo - visualizado através de
janelas iluminadas de um espaço domiciliar.
Enquanto na área externa, que se estende pela arena e pelas escadas
laterais, sugestionando um bosque, há um velho hesitante (Tomaz Nogueira da
Gama), seguido por um estrangeiro (Felipe Pedrini), diante do trágico dever de
comunicar-lhes a morte, por afogamento, da irmã primogênita, em irrepreensíveis performances em torno da dor e da dúvida.
Via emblematizada arquitetura cenográfica móvel (Mina Quental),
sob precisos efeitos luminares (Ana Luzia de Simoni / João Gioia), sugestionando, em sutis marcações, uma
ambientação de assombramentos ladeada
por galhos secos.
Ampliada por sensitiva trilha sonora (Karina Neves e Jonas Hocherman) de recortes
impressionistas, no entremeio dos matizes pastéis de um figurino de época (Tiago
Ribeiro) e de impactante mascaração, signo inventivo da Cia dos Bondrés.
Onde a densidade expressiva de um pulsante elenco, entre a
silenciosa gestualidade do grupo
familiar quais marionetes sob manipulação, confronta-se em atmosfera hipnótica, com o movimento dos aldeões (incluído um coro de teatralidade
greco/trágica portando máscaras) na circularidade da paisagem cênica.
Em carismático comando mor de Fabianna de Mello e Souza transmutado em preciosa
surpresa da temporada, capaz de fazer reflexionar, com pungente e rara
sensibilidade estética, sobre o difícil suporte da fatalista temporalidade da condição humana.
Wagner Corrêa de Araújo
INTERIOR está em cartaz no Sesc/Copacabana (Teatro de Arena), de quinta a
domingo, às 19h. 60 minutos. Até 7 de julho.