FOTOS/JOÃO CALDAS |
Ainda hoje, em pleno terceiro milênio, ouvimos o estupidificante
aforismo de uma sociedade machista e conservadora com seu hostil preconceito
contra a vocação masculina para a profissão de bailarino – Balé é coisa de menina.
Cuja incidência, por curioso fenômeno social brasileiro, tem diminuído nas camadas
mais desfavorecidas pela marginalização, das favelas às comunidades periféricas,
onde o chamado para o tráfico e para o roubo vem sendo surpreendentemente substituído, episodicamente, pela perspectiva profissional dos projetos socializantes de ensino da dança.
Capaz, assim, de possibilitar a opção por uma nova forma de trabalho
com resultados reveladores de talentosos bailarinos jovens ganhando espaço
em festivais e concursos, tanto no Brasil como no exterior. Muito embora ainda tenhamos
que digerir delirantes retrocessos político/morais como “meninos só vestem azul e
meninas o rosa”...
Temática referencial que se faz presente, com rara força
sensitiva, no espetáculo Billy Elliot, com a mesma titularidade de um bem sucedido filme de 2000, dirigido por Stephen Daldry. Neste sucessivo musical londrino de 2006 à sua versão da Broadway 2009, agora, em sua
primeira montagem brasileira, com direção geral e concepcional do canadense e
habituée dos palcos da Times Square, John Stefaniuk.
Billy é um garoto que, no decorrer de uma greve dos
mineradores britânicos de carvão nos anos 80 da era Margaret Thatcher, navega
em direcionamento contrário aos desejos de um meio rústico e brutalizado, trocando
corajosamente a prática do box pela do balé.
Onde, apesar de enfrentar as adversidades radicais de seu pai
Jackie (Marcelo Nogueira) e do irmão mais velho Tony (Beto Sargentelli), ambos participantes da rebelião operária, segue em
frente, incentivado pela reiterativa frequência às aulas de Mrs. Wilkinson (Vanessa Costa), a professora
de balé.
Acabando, no entremeio de muitos embates políticos/sexuais, por embaraçar os conceitos e amolecer o coração de um pai, avançado na luta de classes mas bronco nas posturas comportamentais, ao enxergar no emergente talento do filho um sonho de redentora salvação pela arte.
Na presente recriação paulista, atuam nomes básicos do musical original, além do comando mor de John Stefaniuk, como o coreógrafo Peter Darling e o cenógrafo Michael Carnahan. Este, na paisagem cênica, reproduzindo o clima cinzento
e ferruginoso de uma mina de carvão em extenso muralismo frontal rodeado por
estruturas metálicas móveis, ora sugerindo interior residencial ora estúdio de
dança, mais as ambiências externas da
greve.
De extrema funcionalidade sob os efeitos luminares, ora
focais, ora vazados, de Mike Robertson. Ficando na coreografia (Peter Darling) o grande destaque
do musical, num inventivo e energizado mix de gestual neo-clássico, contemporâneo
e sapateado, a partir da trilha sonora autoral de Elton John, apesar não ter esta a força incisiva de suas melhores composições.
Complementada na equipe brasileira, por acurada releitura
musical de Daniel Rocha, com direito a um
insert tchaikovskiano e a uma apoteótica cena acrobática sob os acordes de Eletricity. E resultando na
indumentária cotidiana por Lígia Rocha e Marco Pacheco, em tons de predominância ocre nos trajes operários e de traços mais clarificados nos figurinos femininos.
No elenco, a convicta entrega
protagonista de um juvenil Tiago Fernandes (um Billy alterativo com os garotos
Richard Marques e Pedro Sousa) em irrepreensível performance dúplice como ator/bailarino. Com inclusiva envolvência palco/plateia, extensiva também a caracteres de outros personagens, como a impositividade de Vanessa Costa (Mrs. Wilkinson) e o sotaque hilariante de Inah de Carvalho (a avó).
Sem falar na expoente nuance emotiva da tessitura vocal de Sara (o
espectro da mãe) e numa vigorosa representação atoral de Marcelo Nogueira (Jackie),
aliada ao seu reconhecido alcance como um dos mais especiais intérpretes no naipe masculino do musical
pátrio.
Havendo dois momentos emblemáticos por seu significado antipreconceitual : quando Michael (Paulo Gomes) o amigo de Billy fascina pela libertária postura gay dançando vestido como mulher (Expressing Yourself) e no extasíaco duelo (Solidarity) entre os mineradores/grevistas e os policiais, ladeado pelas pequenas bailarinas e o menino dançarino, marcando o contraponto entre a opressão e a esperança, entre a rudeza e a sensibilidade artistica.
Havendo dois momentos emblemáticos por seu significado antipreconceitual : quando Michael (Paulo Gomes) o amigo de Billy fascina pela libertária postura gay dançando vestido como mulher (Expressing Yourself) e no extasíaco duelo (Solidarity) entre os mineradores/grevistas e os policiais, ladeado pelas pequenas bailarinas e o menino dançarino, marcando o contraponto entre a opressão e a esperança, entre a rudeza e a sensibilidade artistica.
Wagner Corrêa de Araújo
BILLY ELLIOT está em cartaz no Teatro Alfa/Santo Amaro/SP,
sexta, às 20h30m; sábado, às 15 e 20h; domingo, às 15 e as 19h. 170 minutos.
Até 30 de junho.
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