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No entremeio de uma crise que afetou incisivamente a já tão
escassa programação lírica na cena brasileira, eis que, simultaneamente, dois
teatros oficiais recomeçam corajosamente , em meio ao quase descrédito do
público e da crítica do gênero, suas temporadas. Dois deles persistindo na
tradição , outro no avanço estético, os três apostando em Verdi.
O Palácio das Artes de Belo Horizonte, com uma La Traviata
segundo rigorosos moldes de fidelidade histórico/artística, numa mesma versão que
se estende ao Municipal paulista,
e Um Baile de Máscaras futurista
retomando as rédeas operísticas do Municipal
carioca, em postura redentora assumida por seu presidente - Fernando Bicudo.
Um motivo de júbilo para os aficcionados, não importando sejam
ferrenhos aliados do conservadorismo ou adeptos da modernidade, aos quais se
junta a resistência do Teatro Amazonas
com uma programação diversificada entre reposições barroco/românticas (Haendel a Gounod) e a criação contemporânea , incluída uma obra inédita de
João Guilherme Ripper.
A partir de uma recente criação do recém nomeado regisseur do
TM/RJ, Pier Francesco Maestrini, concebida para a Kiel Opera House , do norte alemão, em janeiro de 2018 , de Um Baile de Máscaras com olhar
espacial, futurista e virtualizado em sua técnica cenográfica.
Inovação que a um olhar mais aberto à contemporaneidade,
prevalente hoje na maioria das grandes casas de opera européias e americanas,
não há de ser incômodo e sim propulsor para uma necessária atualização
estética.
Afinal, até de acordo com a própria transposição temática do
original verdiano, de 1859, da Suécia monárquica do século XVIII para uma distanciada
governança de uma Boston americana colonial, por imposição censória e
política da época.
E é o que propõe esta recente incursão num dos cânones da
grande ópera italiana, transferindo desta vez, a narrativa melodramática do contexto
bostoniano para um tempo ficcional/científico em alguma inidentificada galáxia
interplanetária.
Visualizada em
arrojada cenografia com efeitos computadorizados o que, se seduz pelo inusitado, torna-se
arriscado pelo resultado pretendido quanto às pontuações originais do compositor, não só pelo suporte de um típico libreto
verista como por uma característica partitura verdiana, que podem soar falseados
sem uma bem urdida transmutação temporal/espacial.
As projeções em três planos num sugestionamento visual 3D impressionam bem pelo enfoque diferencial de
plasticidade cênica(Juan Guillermo Nova), mas ameaçam o desvio de atenção da progressão dramática do
que deve ser o verdadeiro foco – a performance musical/vocal.
Diluindo o
dimensionamento psicológico dos personagens pelo carregado sombreamento do
desenho de luz(Jorginho de Carvalho) e pelas visualizações numéricas e cronológicas que ora remetem, sem disfarce, aos
efeitos de uma tela virtual. Com um acentuado sotaque kitsch nos traços néon da
indumentária escura(Tânia Agra/Ursula Felix), lembrando ambiências de pistas clubber ou de desfiles carnavalescos. Além da desnecessária projeção
de fotos faciais dos interpretes, sujeita a oscilações técnicas.
Com uma segura conduta musical de Tobias Volkman, o score sinfônico
conflitua com o desequilíbrio do elenco protagonista, onde a convicta tessitura
dos brasileiros, o barítono Rodolfo Giuliani (Renato) e da mezzo soprano Denise
de Freitas(Ulrica) atende às exigências de seus papeis e transforma em um
arremêdo o “ascensional” talento do tenor italiano Leonardo Caimi(Gustavo). Com
alcance abafado, ausência de coloração, desde sua romança inicial, e sem qualquer
indicio de “crescendo” nas cenas sequenciais.
Enquanto a soprano italiana Susanna Branchini(Amélia) tem
elegante presencial e uma boa potencialidade tímbrica, sem culminâncias qualitativas
mas de calorosa empatia com o público. Vale destacar ainda a participação com bela agilidade vocal do soprano Lina Mendes(como Oscar).
O coro mais uma vez reafirma seu cativante desempenho(na preparação do Maestro Jésus Figueiredo) e à representação coreográfica ( sob o comando de João Wlamir) falta maior unicidade estilística no contraponto
crítico de linguagens gestuais. Com uma nuance mais melodramática na soturna cena do Ato II e a automatização robotizada na cena do baile, esta prejudicada, em
parte, por uma menos clarificada distribuição cenográfica dos cantores, coro e bailarinos no epílogo da ópera.
Wagner Corrêa de Araújo
UM BAILE DE MÁSCARAS está em cartaz no Teatro Municipal/RJ, dias 3,4 e 5, às19h30m; dia 6, às 17h. 150 minutos, com dois intervalos. Até 06 de maio.