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Canções Que Eu Guardei Pra Você. Zé Henrique de Paula / Direção Concepcional. Janeiro/2025. Alê Catan / Fotos. |
Com um subliminar referencial temático e titular à romântica canção
da dupla Erasmo/Roberto Carlos (As Canções Que Você Fez Pra Mim) o pequeno
musical Canções Que Eu Guardei Pra Você promove, mais uma
vez, um dos felizes encontros das direções teatral e musical, respectivamente
de Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia.
E, agora, por intermédio do ideário, junto a Marcos Griesi, de Felipe Heráclito Lima a partir de uma experiência
pessoal no desafio de súbito término de um relacionamento amoroso. Aqui personificado
nas surpreendentes mutações afetivas entre três casais, representados por um cast de atores/cantores,
integrado por Bruna Guerin, Felipe Hintze, George Sauma, Guilherme Magon, Karen
Junqueira e Marília Lopes.
E que no clima divertido de um dos jantares diferenciais que Miguel (George Sauma), ao lado de sua parceira Malu (Bruna Guerin), gosta de oferecer para ampliar a simpatia entre estes e o outro par Renata (Karen Junqueira) e Tulio (Felipe Hintze). Mas, desta vez, incluindo também Bárbara (Marília Lopes) e Pietro (Guilherme Magon), este último um irredutível solteirão depois de muitas aventuras no passado adolescente, justificando-se, apesar de tudo, como namorado da amiga que veio com ele.
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Canções Que Eu Guardei Pra Você. Fernanda Maia/ Direção Musical. Janeiro/2025. Alê Catan/Fotos. |
Fica assim estabelecida certa coerência com os outros dois
casais, numa imaginária situação similar da possível estabilidade emocional das
duas duplas. Mas entre drinques, conversas e comilanças, o clima psico/ambiental
vai mudando, sob novos questionamentos personagens/atores, palco/plateia, numa
quebra da narrativa sequencial pelo desmoronar da fidelidade conjugal como princípio.
Onde a temática, sem se ater rigorosamente ao dimensionamento
sobre diversas ou identitárias sexualidades, se enquadra bem à proposta
dramatúrgica de livres atrações e mudanças afetivas, tanto de um lado como de
outro, correspondidas no espontâneo gestualismo e na unicidade de performances
vocais de um convicto elenco.
Intermediado pela envolvência de canções que ora apresentam
em solos, duos e formações grupais, dando vazão aos sempre excepcionais arranjos
de Fernanda Maia, a partir da priorização do conhecido repertório de cantoras assumidamente
LGBTAQIAPN+ (Adriana Calcanhoto, Ana Carolina, Cassia Eller, Maria Gadu, Marina
Lima, Sandra de Sá)
Num expressionismo interpretativo de caráter intimista, acompanhado
por um mais que acertado quinteto de afinados instrumentistas (Bia D’Ávila, Giullia
Assman, Mayara Alencar, Rodolfo Schwenger e Samuel Passos) dirigido potencialmente
por Fernanda Maia.
E onde a minimalista concepção cenográfica (César Costa e Zé
Henrique) é preenchida por tonalidades pictóricas meio naïfs no assumido exagero aquarelista tanto do painel frontal,
entre o naturalismo e a fantasia de um espaço residencial, completando-se nos
figurinos dia-a-dia (Mariana Sued), sob luzes mais vazadas que focais (Fran Barros / Túlio Pezzoni)
Ainda que o roteiro dramatúrgico (Bernardo Marinho e Valentina
Castello Branco) seja supervisionado pelo profissionalismo de Rafael Gomes,
mesmo assim, em sua integridade textual, não consegue escapar de uma certa previsibilidade
e de lugares comuns na abordagem das relações amorosas, num contraste com o teor poético de versos antológicos das canções
vocalizadas pelos atores.
O assumido distanciar-se da habitual configuração do grande
musical fazendo, aqui, o conceitual estético se apoiar numa narrativa cotidiana
confessional no entorno do vai e vem das relações afetivas na convivência
doméstica e social, inspira bem a propósito a pulsão deste jogo teatral.
Que ao ser imprimido pelo artesanal comando
concepcional de Zé Henrique de Paula acaba, afinal, por tornar a despretensão da comédia romântica-musical
Canções
Que Eu Guardei Pra Você” - uma lúdica surpresa teatral, valendo ser
conferida como um promissor despontar da temporada 2025.
Wagner Corrêa de Araújo