Um dos aspectos relevantes da transposição dramatúrgica de
quatro dos contos do livro Faca, do
escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, na peça Redemunho é a perceptível
fidelização à textualidade do autor.
Assim, neste desafio do respeito absoluto à sua originalidade
ficcional e no difícil embate da eficaz
teatralidade de obras literárias, transparece um raro cuidado estético sem
prejuízo do diferente enunciado –livro/palco.
Sem perder em momento algum a essência do signo verbal, o
trabalho diretorial de Anderson Aragón faz da sua reescritura dramática um resultado artesanal de convicto encontro e
feliz convívio de duas linguagens artísticas.
Onde o simbólico aporte cenográfico( Doris Rollemberg), com
referencias a elementos da cultura popular nordestina , também incidente na
indumentária (Flavio Souza), é ressaltado pela simbiose de recatados recortes
do desenho de luz (Anderson Ratto) e da inspiradora trilha sonora de Alfredo
Del-Penho.
Equilibrando narrativa
, ora descritiva ora confessional, com dialetal confronto dos oito personagens
passionais em quatro
quadros de dúplice caracterização , alternado por Alexandre Dantas, Ana
Carbatti e Cláudia Ventura em enérgica loquacidade e sensorial fisicalidade (
Sueli Guerra).
Na prevalente expressão de suas adversidades familiais, em inquietas interiorizações de desejos
sufocados e nas pulsões tempestivas
de rebeldia contra os arquétipos de um mítico regionalismo nordestino.
Introduzindo sempre a fabulação de cada uma das histórias sem
revelar por inteiro sua trama em ordem sequencial mas levando-as, em intercurso fragmentário, ao seu epílogo.
Desde o orgulho genealógico
e sua desfeita, no frustrado cotidiano de mãe e filho (Redemunho), às
dúvidas do real pertencimento amoroso ao almejado consorte ou ao esposo circunstancial ( A Escolha).
Ou a trágica causa parricida no confronto materno/filial entre
duas mulheres ( Cícera Candoia) e o
inferno domiciliar feminino, em submissa relação conjugal, questionada na
passagem de um circo (Mentira de Amor).
É na multiplicidade das
vozes narrativas assumindo facetas
masculinas ou femininas, em contumaz entrosamento, fluência, ritmo e verdade
introspectiva de um elenco, que se estabelece
a cumplicidade com a plateia.
Onde o encantamento pela palavra
literária e pelo rito teatral estão,
além da estimulante performance(Alexandre Dantas, Ana Carbatti e Claudia
Ventura), no alcance do comando
de Anderson Aragón - por um espetáculo de
transcendente libertação cênico/literária dos fantasmas do mundo interior.
Wagner Corrêa de Araújo
REDEMUNHO está em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim/Ipanema,sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. 80 minutos. Até 03 de abril.