FOTOS/CARLOS CABÉRA |
Foi ainda em seu período escolar que o francês Alfred Jarry começou os esboços para sua
futura e única obra registrada na história
mundial do teatro. Titulada inicialmente de Os Poloneses, chegou a ser publicada e teve boas referências
criticas como as de Apollinaire.
Mas foi na sua versão
definitiva como Ubu Rei que a peça
estreou, no final de 1896, causando uma
das maiores polêmicas e um escândalo tal que nunca voltou aos palcos na curta
vida do autor (1873/1907).
Por outro lado, apesar das suas duas diferenciais retomadas, prevaleceu a inicial como marco precursor de
alguns dos mais significativos movimentos estéticos das primeiras décadas do século XX – o dadaísmo , o surrealismo, o
futurismo, com incisivo reflexo especular na conceituação do teatro do absurdo.
Concebido, originalmente, como uma forma de protesto contra os desmandos de seu professor ginasial de
física, o extravagante , insensato e imoral personagem do Pai Ubu (Marco Nanini) sob as ingerências
maléficas da Mãe Ubu( Rosi Campos) se
transforma no anti-herói mau caráter e assassino, além de usurpador do trono polonês.
Na sua trajetória grotesca e insana vai eliminando, sem quaisquer remorsos, todos com que se defronta , da família real aos
representantes dos poderes instituídos de ministros a juízes, como no desprezo
pelo povo, em atos de fria vileza e
sempre com intuitos de luxúria e proveito personalista.
E se na sua época teve um forte referencial nas vilanias dos shakespearianos Macbeth, Ricardo III, Hamlet e Julius Caesar, tornou-se
uma metáfora ridícula dos grandes ditadores. De Hitler e Stalin aos seus atuais
paradigmas e na farsa democrática das classes políticas , como a brasileira chafurdada em lama até a
cabeça.
Imprimindo ao lado do sombrio surrealismo um toque de
cáustico humor, a concepção de Daniel Herz ,em mais um de seus habituais desnudamentos inventivos diretoriais, foi longe no espelhamento de universos artísticos paralelos
para expressar a domesticidade bestial do Ubu
Rei.
Das citações cenográficas(Bia Junqueira) e indumentárias(Antonio
Guedes), entre a estética antropofágica / surreal às remissões dadaístas de paródias
de ingênuo e lúdico apelo infantil. Tudo sublinhado pelas sutis intervenções
luminares (Aurélio De Simoni) e pela enérgica e percussiva música ao vivo (Leandro
Castilho).
A prevalência do irrepreensível desempenho, de protagonismo
absoluto tanto de Marco Nanini como de Rosi Campos, é alternada pelo desafio de segurar entradas episódicas dos outros nove e competentes
atores(Ana Paula Secco,Leandro Castilho,Márcio Fonseca, Paulo Hamilton , Verônica
Reis, ao lado do elenco mais jovem-Cadu Libonati, João Telles, Tiago Herz e
Renato Krueger), em performances e papéis , às vezes, mais propícios.
Mas em Ubu Rei há
que se reconhecer o difícil exercício cerebral
de um texto cuja implosão rebelde contextualiza-se em sua historicidade, obrigando-o
a exigir sempre uma radical nuance de contemporaneidade a superar seu tempo de emblemático factual.
E se esta montagem apresentou uma perceptível riqueza
imagística e delirante teatralidade,
faltou-lhe apenas ser levada às suas últimas consequências .
Pois o seu desabuso
temático e sua irreverencia moral tem antíteses
tão próximas às de “certa república”, que poderíamos, aí então, gritar,
em rascante empatia, Ubu Rei
“veio a nós o seu reino !!!”...
Wagner Corrêa de Araújo
UBU REI está em cartaz no Oi Casa Grande, Leblon, de quinta a sábado,às 21h;domingo,às 20h. 90 minutos. Até 30 de abril.
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