Dario Fo caracterizou seu inventário teatral com a exploração diferencial de recursos
dramatúrgicos afinados, sempre, na prevalência de um complexo de experimentações cênicas, privilegiando a interatividade palco/plateia.
Convergindo todas elas para uma espécie de “canovaccio”, herança das soluções de
alcance popular da “commedia
dell’arte”. Numa empreitada estética claramente delineada no seu “método de
sondagem, aproximação e ligação” ator>personagem>espectador , no seu quase
códice “Manual Mínimo do Ator”.
Sem nunca deixar de lado o desmonte conceitual dos mecanismos
sociais/ políticos, com perspicaz ironia e riso sarcástico, numa reflexiva e
mágica ritualização do ofício teatral.
A partir de um momento trágico de conflito na vida política italiana dos anos 60, quando uma série de
cinco atentados num mesmo dia, em Roma e Milão, deixa inúmeras vitimas , as manipulações em torno
da detenção de um dos supostos
responsáveis pelas ações terroristas – o ferroviário e anarquista Giuseppe
Pinelli, causam inusitada polêmica.
Aumentada na suposição de que ele teria se atirado do quarto andar do prédio,
onde ocorria o interrogatório policial,
gerando neste gesto súbito uma onda opinativa de dúvidas e suspeitas
sobre a real veracidade do ato.
Dario Fo, protagonizando este acusado como o personagem guia
de sua peça, de 1970, Morte Acidental de um Anarquista, transcende seu status como um louco, capaz de assumir, além de presumido
algoz e vítima, outras identidades, ora um juiz, um capitão ou um bispo, questionando “anarquicamente” a própria razão do
processo investigativo.
Esta mutabilidade de personagens atua como um tributo à contumaz função representativa do humano pela teatralidade. E, no contextual temático, numa
postura crítica sobre as controvérsias dos julgamentos das causas e dos
movimentos político/sociais de quaisquer ideários e condutas.
A organicidade da presente performance do original dramatúrgico, sob a direção de
Hugo Coelho, estabelece marcações de incisivo histrionismo no protagonismo laminar
de Dan Stulbach, com veemente exploração dos contornos e inflexões gestuais / emotivos dos papéis e mascarações em que é direcionado.
Com espontânea adesão , em variáveis gradações, num elenco de
perceptível empenho coletivo destacando , especialmente, a convicção de Henrique Stroeter e as estripulias sonoras do músico/ator Rodrigo Geribello. Equilibrada
em postulações consistentes de Riba Carlovich e Marcelo Castro e mais
discricionária em Maíra Chasseraux.
A cenografia (Marco Lima) de alusões burocratizantes, a
informalidade da indumentária cotidiana
( Fause Haten) e a atmosfera de luzes vazadas( na duplicidade funcional do
diretor Hugo Coelho)completam o alcance da montagem.
Que, no comando diretorial de Hugo Coelho, na desconstrução
da quarta parede, estabelece um lúdico
jogo com o público em enérgica interatividade acional com o palco.
Ainda que esta livre exteriorização da trama original incida, por vezes, no iminente risco da mordaz reflexão política autoral dar concessão ao superficialismo de um risível deleite.
Ainda que esta livre exteriorização da trama original incida, por vezes, no iminente risco da mordaz reflexão política autoral dar concessão ao superficialismo de um risível deleite.
Wagner Corrêa de Araújo
MORTE ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA está em cartaz no Teatro dos Quatro/Gávea, sexta às 21h;sábado, às 19h30m e 22h;domingo, às 20h. 80 minutos. Até 2 de abril.
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