Martinho - Coração de Rei - O Musical. Miguel Falabella/Direção Concepcional. Helena Theodoro/Dramaturgia. Janeiro/2025. Erik Almeida/Fotos. |
Abrindo a temporada carioca de teatro musical, depois do êxito
nos palcos paulistas, chega ao Rio uma exemplar montagem entre os musicais brasileiros de
2024 : Martinho da Vila - Coração de Rei, priorizando um grande elenco
negro, de jovens atores a conhecidos nomes e destacando quatro protagonistas titulares.
Em compasso de apoteose carnavalesca pela magia direcional de
Miguel Falabella, com assistência e parceria de Iléa Ferraz, a partir de um dúplice ideário no entorno da valoração do
legado cultural da afro-brasilidade, sob o artesanal roteiro dramatúrgico de Helena Theodoro e pela exponencial produção
de Jô Santana.
Sem seguir à risca a tendência do musical biográfico
brasileiro de se ater a uma sequencial cronologia, a textualidade de Helena Theodoro sabe como se equilibrar bem na
conexão de passagens existenciais, do despontar daquela irrestrita vocação musical ou do seu estágio no ofício de sargento do exército, ao definitivo reconhecimento como um dos maiores
sambistas do país.
Ora alternando-se entre as canções apresentadas e uma meta narrativa que adiciona personagens espectrais, como o irônico anjo Noel Rosa evadido das plagas celestes, numa personificação diferencial por Dante Paccola. Encarnando aquele precursor musical que morreu extamente no ano anterior, 1937, ao do nascimento de Martinho, estabelecendo, assim, um liame simbólico entre o legado de dois baluartes históricos deste gênero, no bairro de Vila Isabel.
Martinho, Coração de Rei - O Musical. Miguel Falabella/Direção Concepcional. Jô Santana/Produção. Janeiro/2025. Erik Almeida/Fotos. |
Este metafórico dimensionamento dramatúrgico estende-se ao trio atoral (Renée Natan, Celso Luz e Fernando Leite) revezando como intérpretes simultâneos do protagonista mor Alan Rocha, unidos por uma só voz não apenas em registros cantados, mas também no entremeio de uma dialetação verbal abrangendo diferentes momentos da trajetória artística/existencial de Martinho da Vila.
E, indo mais longe nesse dimensionamento estético/musical, a própria dramaturga Helena Theodoro aparece em cena no segundo ato sugestionando um elo afetivo, cênico e performático, com sua oportuna presença física, vocal e musical, entre os integrantes do espetáculo e os espectadores. Incluídas, aqui, algumas citações orais no percurso do musical fazendo alusão nominal ao seu diretor Miguel Falabella.
Além do convicto elenco de vinte atores-cantores atuando, em funcional coesão tanto nas partes cantadas e faladas, nada deixa a desejar quanto a sua adequação energizada à envolvente direção de movimentos por Rafael Machado, sempre na cadência ritmada do samba.
E onde os efeitos luminares de Felipe Miranda ressaltam uma
cenografia simples mas expressiva (Zezinho e Turibio Santos) que usa, de modo
propício, um espaço frontal emoldurando
um alegórico conjunto de atores com sua exuberante indumentária, pela maestria de Claudio
Tovar. Que, aliada a um detalhado visagismo remete, não só a um design
pictórico de elementos plásticos afro-brasileiros, sem deixar de evocar o
imaginário brilho de um carro alegórico na passarela do samba.
Tudo ampliando-se no apurado grupo instrumental de sete músicos, sob o comando e arranjos de Josimar Carneiro, em repertório que inclui desde temas antológicos de Martinho, a algumas composições para referenciar personagens, entre outras, a da genitora de Martinho - Pra Mãe Teresa. Ou numa divertida transmutação do Martinho da Vila sargento, em Jamelão, onde Alan Rocha, desta vez corporifica, ainda no compasso do samba, o celebrado mangueirense.
Com um magnetismo performático absoluto Alan Rocha demonstra,
em todas as suas facetas atorais, uma irreprimível similaridade identitária da
voz ao gestual, surpreendendo e impressionando pela autencidade imersiva de sua
representação. Do prólogo ritualístico, como um dos míticos Griôs da ancestralidade africana, à típica
malemolência vocal no papel do apoteótico ídolo do samba.
Embora no epílogo haja uma subliminar quebra da fluência dramatúrgica
quando tudo se transforma, “devagar,
devagarinho”, numa roda de samba, o musical mantém seu apelo carismático
palco/plateia ao fazer todos cantarem e dançarem juntos numa eufórica e contagiante celebração. Afinal, como já dizia Dorival Caymmi, “quem não gosta do samba, bom sujeito não é / É ruim da cabeça ou doente
do pé”...
Wagner Corrêa de Araújo
Martinho, Coração de Rei - O Musical está em curta temporada no Teatro
Riachuelo/Cinelândia, de quinta a sábado, 20h; domingo, às 17h, até o dia 23 de fevereiro.