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A Baleia. Samuel D. Hunter/Dramaturgia. Luís Artur Nunes/Direção Concepcional . Junho/2025. Renato Mangolim/Fotos. |
A trágica e burlesca narrativa fabular sobre a situação psicofísica
de um professor de escritas literárias pela internet, recluso à causa de uma corporeidade
acima de 270 quilos, sendo dominado pela culpa, num processo de auto punição,
saindo em busca da redenção.
Este é o tema da peça A Baleia que, a partir do ideário do
dramaturgo americano Samuel D. Hunter,
além do teatro inspirou o filme de Darren
Aronfsky, com similar titularidade e premiado com o Oscar 2023 de Melhor
Ator para Brendan Fraser.
Chegando, agora, aos palcos brasileiros sob acurada tradução
e direção concepcional por Luís Artur Nunes tendo como protagonista o ator José
de Abreu, ao lado de um conceituado elenco integrado por Luiza Thiré, Eduardo Speroni,
Gabriela Freire e Alice Borges.
O espaço cênico sendo preenchido por uma funcional e, ao mesmo tempo, minimalista concepção que privilegia os pouco elementos materiais que sugestionem o melancólico isolamento de Charlie (Zé de Abreu) imobilizado em um sofá, cercado de embalagens usadas de pizza e fast food, tendo duas portas laterais - a entrada principal e o difícil caminho para o banheiro.
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A Baleia. Em cena, a partir da esquerda, Gabriela Freire, Luiza Thiré, Eduardo Speroni, Alice Borges e Zé de Abreu. Junho/2025. Renato Mangolim/Fotos |
Onde o suporte de uma plataforma digital mecânica acima dele reproduz,
vez por outra, uma espécie de contato virtual com seus alunos, simulando a tela
de um computador e a passagem das horas, entre a noite e o dia, sob discricionárias
variações de uma iluminação (Maneco
Quinderé) vazada, numa coloração mais sutil com ocasionais sombras.
Na qual a legendagem
completa das falas cria uma metafórica conexão com uma leitura dramatúrgica,
pontuada por acordes musicais densos em outra das inventivas trilhas autorais
de Frederico Puppi, priorizando sonoridades quase mecânicas sem nunca ceder a
temas melodramáticos.
Charlie (Zé de Abreu), para potencializar
sua pesada corpulência, usa enchimentos em suas vestimentas, dando a sensação de que isto dificulta sua
respiração, na sôfrega e tocante vocalização de suas falas compassadas pela depressividade.
Enquanto os outros atores usam figurinos mais
cotidianos que ressaltam suas características personalistas, no dia a dia comum
de suas funções, num acertado design indumentário por Carlos Alberto
Nunes.
Desde o missionário evangélico Irmão Thomas (Eduardo Speroni) tentando resgatar
em Charlie a fé cristã sem intuir claramente
que a intenção do professor é descobrir por que Alan, seu falecido parceiro amoroso, acabou sendo levado a um quase
suicídio lento quando repreendido pelo preconceito de seu pai, pastor da mesma
comunidade do jovem pregador que o visita sempre.
A surpreendente postura de Liz (Luiza Thiré) como a enfermeira que,
em comportamento contraditório, cuida e aconselha Charlie a se hospitalizar para evitar um mal súbito, mas não sem
deixar de satisfazer suas irremediáveis pulsões de fome.
Outras duas relevantes personagens femininas subitamente reaparecem,
depois de anos, despejando sobre ele suas amarguras familiares e existenciais - a agressiva frieza da filha adolescente Ellie (Gabriela Freire) e a desiludida alcoólatra e sua ex-mulher Mary (Alice Borges) que ele trocou por Alan.
A convicta interpretação dos quatro atores, pelo dimensionamento
psicológico de seus personagens na trama, mantem força qualitativa perante a aflitiva
emotividade alcançada pela empática performance de Zé de Abreu. Sem jamais
deixar a cena, nesta que representa sua luminosa volta ao teatro pós uma longa ausência.
Numa textualidade que referencia a baleia bíblica de Jonas e
a literária de Herman Melville em Moby
Dick, ao lado de temas tão oportunos na atualidade como a homofobia e o
fanatismo opressor de seitas religiosas em detrimento da liberdade de
pensamento e de opção sexual, junto à vaidade física no seu cruel desprezo acionado pela
gordofobia. Tudo isto completado por uma sensitiva e convincente direção de Luís
Artur Nunes que faz com que A Baleia alcance um merecido destaque
crítico e de aplauso público na presente temporada teatral...
Wagner Corrêa de Araújo
A Baleia está em cartaz no Teatro Adolfo Bloch/Glória/RJ, de quinta a sábado, às 20h; domingo, às 18h, até 20 de julho.
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