FOTOS/ JAVIER DEL REAL |
Partindo um ideário estético que une o século de ouro da cultura
espanhola, através da obra dramatúrgica de Lope de Vega e do referencial cênico
à pintura de Velázquez, às tradições populares do Cante Jondo e da dança Flamenca num contexto de teatro coreografico,
Fuenteovejuna foi o derradeiro
legado artístico de Antonio Gades à
sua Compañia.
Sem deixar de mencionar o forte substrato político / filosófico do
relato de uma sublevação, no século XV, de aldeões andaluzes contra os
desmandos de um comendador que acaba sendo assassinado pela fúria campônia.
O que os isenta da condenação jurídica sob a justificação de
um “ato de solidariedade dos perdedores; solidariedade com poder”, nas
palavras do próprio Gades, ecoando seu engajamento de juventude nas lutas pela
República Espanhola e na sua permanente postura de antifranquista.
Original de 1994, Fuenteovejuna,
se tornou assim uma das criações mais emblemáticas da Compañia Antonio Gades.
Tanto por seu conteúdo libertário quanto por sua refinada concepção coreográfica.
Presencial nas nuances barroquistas, prevalentes da paisagem cenográfica à indumentária (em
dúplice ofício de Pedro Moreno), como também na luz entre sombras (Dominique You), num
referencial às pinturas de Diego Velázquez.
Reunindo em cena, além do elenco de dezoito bailarinos, uma trupe musical, integrada por quatro cantores
e dois guitarristas. Dividindo as sonoridades ao vivo com um antológico score
gravado, indo de acordes russos de Mussorgsky
a recortes composicionais (sinfônicos/vocais) do aragonês Antón Garcia Abril.
Nos papéis protagonistas, a cobiçada Laurencia (Silvia Vidal),
ao lado de seu noivo Frondoso (Alejandro Molina), nos embates entre a paixão deste e o
assédio violento do Comendador (Miguel Angel Rojas).
Em alterativos solos, duos e trios, ora mais romantizados da heroína feminina, ora
mais vigorosos do seu partner amoroso,
ora assumidamente teatralizados na representação da fúria do tirano.
Completando estes contrapontos entre tensão e lirismo,
afinadas formações grupais no papel coletivo dos aldeões exibem danças
populares, entre um sutil sotaque clássico em coreografias estilizadas ou em energizadas danças espanholas de base folclórica.
Onde o estilo flamenco nunca cai no mero exibicionismo técnico
dos tablados e tabernas, mas a partir do repique do sapateado vai progredindo,
em crescendo de circularidade emotiva, das pernas para o tronco, dos braços e
mãos para as mascarações faciais.
Na expressiva gramática cênica que conecta inventiva
fisicalidade a uma dramatização com dimensionamento psicológico dos personagens,
deslocando a ausência da palavra para a força interior irradiada em cada gesto, numa carismática performance de teatro coreográfico.
Wagner Corrêa de Araújo
A COMPAÑIA ANTONIO GADES, com FUENTEOVEJUNA e CARMEN, está em
turnê nacional, iniciada no Theatro Municipal/RJ, de 29 a 31 de março. Prosseguindo
em São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte. Até o dia 13 de abril.