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Em Mulheres, obra de 1997, o uruguaio Eduardo Galeano inventaria, em releitura de verve poética e substrato filosófico/conceitual, o papel assumido pelo poder feminino na construção ideológico/política do continente latino americano.
Em relatos direcionados àquelas feministas notabilizadas nas artes e nas
letras, mas sem deixar de referenciar também as que, anonimamente, foram fundamentais
aos embates de emancipação, resistência e afirmação da causa feminina.
Assim, em sua progressão narrativa, num mesmo ringue de enfrentamento
e combates, são citadas mulheres caracterizadas pela prevalência de sua origem
nativista, entre outras Frida Kahlo, Evita, Alfonsina Storni, Sor Ines de La
Cruz, Violeta Parra.
Ou, ainda, as de raízes indígenas ou africanas, de libertárias índias
e escravas a feiticeiras e mães de santo. E até de guerrilheiras
que, empenhadas pela libertação revolucionária, desafiaram sua própria personalidade
sem medo de se fragilizarem pela condição feminina.
E em nuance identitária de luta, no além fronteiras, a
recorrência mítica a militantes como Joana D’Arc, Camille Claudel, Josephine
Baker, Rosa de Luxemburgo, Olga Benário. Completando, enfim, um painel de desconstrução
do ancestral estigma de um segundo sexo sem história, destinado exclusivamente às
funções biológicas e do lar.
E é a partir desta textualidade literária que foi arquitetado
o roteiro dramatúrgico de Francisco Mallmann no monólogo Para Não Morrer, assumido pelo comando diretorial, concepcional e
interpretativo da atriz Nena Inoue. Contando com a valorosa colaboração
artística de Babaya Moraes.
Em paisagem cênica (Ruy Almeida) construída a partir do
presencial individualizado da atriz-personagem em impactante visualização
estética, no entremeio de sombreamentos luminares (Beto Bruel), ressaltando incomodas
e nervosas, mas simbólicas, distorções musculares / gestuais de lábios, pés e
mãos.
Onde os figurinos, adereços e visagismo (Carmen Jorge)
provocam uma espectral sugestão de uma mulher sacralizada num contexto terra/natureza,
com seu grito ativista ecoando como se fora um emblemático tronco calcinado a la
Krajcberg.
Com postura hierática, privilegiando a voz, ora em murmúrios quase
inaudíveis ora em potencializados apelos, em incitação à escuta de uma denúncia secular e de
um discurso fissurado pela inércia e pela acomodação ao preconceito contra o
papel feminino.
Que, por não poder mais continuar sendo abafado pela violência,
precisa ser vivenciado da oralidade para uma energizada reação, em contraponto
ao reiterativo patriarcalismo e aos abusos machistas.
E que, em privilegiada proposta cênica, a atriz/diretora Nena Inue assume, em convicto
encorajamento dramático, entre o delírio e o verismo, entre a poesia e o pânico, na personificação necessária deste nunca se resignar à opressão e à submissão do feminino.
Mas sim, antes de tudo, sabendo bem como acreditar, sempre determinada
em sua enfática pulsão teatral com nuance reflexiva, que afinal o ser mulher tem o mesmo protagonismo do ser homem no palco da vida.
Wagner Corrêa de Araújo
PARA NÃO MORRER volta ao cartaz, em curta e imperdível temporada,
no Teatro Sesc Ginástico, Centro/RJ, de quinta a domingo, às 19 h. 60 minutos.
Até 10 de março.
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