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FOTOS/JULIA LANARE |
“A mente pesa tanto
quanto Deus./Se a pesagem é feita com instrumento bom,/A diferença, se
houver,/É da sílaba para o som”.
A partir destes versos de Emily Dickinson e da ideia de dar
vazão à potencializada base lírica na voz da atriz/cantora Alessandra
Maestrini, desenvolveu-se a dramaturgia e a direção de Miguel Falabella para sua
recente incursão na comédia musical titulada O Som e
a Sílaba.
Que também recorre a uma fórmula de moldes hollywoodianos, de
largo uso no musical cinematográfico dos anos 40 e 50, onde protagonistas/cantores
mostravam as diversas possibilidades de alcance de seus repertórios, entre o
canto lírico e o canto popular.
Aqui, através da narrativa de uma cantora Sarah Leighton (Alessandra Maestrini) com a síndrome de
Asperger e que, desde a infância, encontra nos discos das grandes sopranos, de
Tebaldi e Callas a Sutherland, um apanágio para as limitações emotivas e
sociais causadas pelo autismo. Ainda que este, no caso, seja atenuado por
seu lado funcional, na classificação clínica de Savant.
E que, descobrindo uma saída pela memória, tanto nas habilidades vocais como na prática
dos cálculos numéricos, decide procurar a professora de canto e antiga estrela
dos palcos operísticos, Leonor Delise (Mirna
Rubim) e que também passa pelo enfrentamento de uma crise existencial.
Não só para aprimorar-se na interpretação das árias que
memorizou por insistente audição discográfica mas, especialmente, para compartilhar tanto um caminho artístico como vencer as carências afetivas, além de buscar uma chance de inclusão
social. Com argumentação de que “Gente
como eu precisa de duas coisas na vida : de um trabalho e de alguém que lhe
estenda a mão”.
O comando concepcional/diretor de Miguel Falabella surpreende
desde o inicio do espetáculo, num crescendo revelador não só de
substancialidade dramatúrgica, mas domínio artesanal na manipulação tanto dos recursos cênicos como
na exploração da empatia e da força performática das duas atrizes.
O que é favorecido ainda pelo impacto visual de uma cenografia (Zezinho e
Turibio Santos) de realismo preciosista e de elegante indumentária (Ligia Rocha e Marco
Pacheco), ressaltadas nas marcações ambientais luminares (Wagner Freire).
Onde há um destaque
sensorial estético no score musical com prevalência de árias italianas e francesas, de óperas de Gounod (Romeu e Julieta), Puccini
(Tosca, La Bohème, Gianni Schicchi, La Rondine) e Delibes (Lakmé). Com acompanhamento solista ao piano (Mirna Rubim) ou por
registro orquestral, com design de som por Mario Jorge Andrade.
Esta antológica seleção operística tem, às vezes, valioso
referencial temático na narrativa dramática, em momentos exponenciais de Mirna
Rubim como o bravíssimo alcance das culminâncias do bel canto no angustiado lamento de vida e
arte ( Vissi D’Arte/ Tosca) e a perceptivel extensão da tessitura de soprano em Alessandra Maestrini, nos anseios
apaixonados de Julieta (Je Veux Vivre/
Roméo et Juliette).
Numa trama simples e quase reiterativa, mas que flui com espontânea
naturalidade, tanto nas passagens confessionais de maior dramatismo, como nas suas exigências
cômico/histriônicas.
Sem deixar-se cair no
caricatural/grotesco, no caso do papel diferencial da aluna Sarah, na constância de
uma soberba performance da Maestrini. Como na convicta personificação de Leonor,
repercutindo, em cena, o real ofício
musical de uma celebrada professora, cantora e atriz - Mirna Rubim.
Em proposta musical de gramática cenica capaz de agradar tanto a iniciantes como aos iniciados no universo da ópera, num exercicio e num jogo teatral vivo com poder de envolver do melômano afficionado rigoroso do bel canto ao espectador não absorvido pelas instâncias do virtuosismo operístico.
Cada um destes publicos certamente não ficará imune após o sedutor epílogo, com o dueto das flores de Lakmé (Viens , Mallika, Les Lianes en Fleurs), no encontro de uma carismática dupla de atrizes /sopranos. Tomadas da paixão, enquanto artistas e personagens, de representar este energizado diálogo entre a comedia musical e a ópera.
Wagner Corrêa de Araújo
O SOM E A SÍLABA está em cartaz no Teatro XP/Investimentos/ Gávea, de quinta a sabado, às 21h; domingo, às 20h. 90 minutos. Até 21 de abril.
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