Rusalka/A. Dvorák.TMRJ. André Heller-Lopes/Concepção direcional. Novembro/2024. Daniel Ebendinger/Fotos. |
Rusalka, uma ópera de Antonin
Dvorák mais que centenária (1901), estreada em Praga, chega só agora ao TMRJ. Nada que pareça tão inusitado, pois
foi apresentada também no Scala de
Milão apenas em 2023, antecedida em similar proporção temporal para o presente
século, em outros reconhecidos palcos operísticos - na Ópera de Paris (2001) e no
Convent Garden de Londres (2012).
Embora seja a mais relevante, entre as dez óperas do celebrado compositor tcheco, por sua inovadora
linguagem orquestral, absorvendo influências composicionais wagnerianas
conectadas a temas de canções folclóricas boêmias,
Rusalka tornou-se popular entre os apreciadores do gênero por uma única ária - a Canção à Lua.
Seu libreto, do poeta e dramaturgo tcheco Jaroslav Kvapil, recorre primordialamente
ao famoso conto de fadas de Hans
Christian Andersen - A Pequena Sereia - que por sua vez inspirou desde versões
cinematográficas dos Estúdios Disney a um musical americano (2007), que foi grande sucesso no Brasil a partir de sua montagem paulista em 2022.
O enredo de sustento fabular, transposto à ópera, ultrapassando os limites de fantasia do texto literário original, ao abordar com um sotaque mais psicológico o sonho de uma personagem do fundo de um lago, contextualizada como ninfa ou sereia e denominada Rusalka, desejando poder se transformar em ser humano e, assim, desfrutar dos prazeres do amor.
Rusalka/A. Dvorák. André Heller-Lopes/Concepção direcional. Ludmila Bauerfeldt/Russalka. Novembro/2024. Daniel Ebendinger/Fotos. |
E é a partir deste confronto, água e terra, através de um
espírito aquático e um príncipe terrestre que se desenvolve a trama. Entremeada
pela bruxa (Jezibaba) que dá permissão ao desejo da protagonista
titular com terrível imposição - tornar-se
muda na sua transmutação em mulher apaixonada, nunca podendo seu amante ser
infiel a ela.
Em papéis mais coadjuvantes, aparecem ainda Vodnik, o Senhor das Águas, um guarda
caça e seu auxiliar de cozinha, incluindo-se ainda um grupo de ninfas, além da Princesa
Estrangeira mais os integrantes do coro, como os convidados das núpcias no
palácio do Príncipe.
Em outra das potenciais criações cenográficas de Renato
Theobaldo, aqui frontalizada por projeções visuais de imagens em movimento,
sugestionando uma paisagem aquática/celeste, enriquecida pelos efeitos
luminares psicodélicos de Gonzalo Córdoba. Mas prejudicada, em parte, por certo
atravancamento do espaço cênico com estantes de orquestra, cadeiras e um piano de cauda, no
lugar do que seria um bosque circundante ao lago.
O que intefere, por vezes, na limitação dos movimentos dos
cantores, especialmente no Ato I, remetendo quase a um concerto cênico. A
montagem ainda tem como destaque o habitual requinte indumentário conferido por
Marcelo Marques, sob tonalidades atemporais com sutis traços de modernidade.
O clima de envolvência propiciado por uma partitura plena de
elementos sinfônicos wagnerianos, como alguns leitmotivs, alterna passagens ora dramáticas, ora líricas com
evocação romantizada de acordes de canções tradicionais tchecas, com absoluta
correspondência no acerto da condução orquestral da OSTM por Luiz Fernando
Malheiro.
Onde brilha um staff performático com algumas das melhores vozes da nossa cena lírica. A começar da soprano Ludmila
Bauerfeldt (Rusalka) capaz de se
destacar, tanto em suas primorosas nuances de extensão vocal como nos
pianíssimos comoventes da Canção à Lua.
Ao seu lado, a força da atuação
dramático-vocal da mezzo-soprano
Denise de Freitas (Jezibaba) e as icônicas
presenças da soprano Eliane Coelho (Princesa
Estrangeira) e do baixo-barítono Lício Bruno (Vodnik).
E, ainda, a atuação convicta do tenor Giovanni Tristacci,
principalmente na carismática cena final com o dueto de amor, vingança e morte,
moldado sob um inspirado referencial sinfônico/vocal do Liebestod do Tristão e Isolda, adicionando outro dos singulares elementos
sinfônico/vocais integrados à partitura de Dvorák
para Rusalka.
Valendo ressaltar a importância da inclusão desta montagem
inédita no repertório do Municipal carioca, sob um diferencial ideário estético/cênico
de seu régisseur André Heller-Lopes, conectado à prevalente tendência nos
palcos e filmagens de se resgatar esta ópera rara, sempre com um olhar
sintonizado pela contemporaneidade...
Wagner
Corrêa de Araújo