ALICE DE COR E SALTEADO : IMERSIVO MERGULHO MUSICAL NO UNIVERSO FABULAR COMO FUGA A UMA SOMBRIA REALIDADE


Alice de Cor e Salteado. Musical de Duncan Sheik e Steven Sater. Gustavo Barchilon / Direção Concepcional. Junho 2025. Gi Alcayaga / Fotos.


Desde sua publicação, em 1865, Alice no País das Maravilhas, o emblemático clássico do inglês Lewis Carroll, não só continua despertando sua delirante paixão, sem limites geracionais, por um fantasioso mundo literário, como vem inspirando a dança, a ópera, o cinema e o teatro musical.

Entre suas últimas versões, a partir da passagem de seu sesquicentenário, uma ópera rock britânica, um balé contemporâneo (Momix) e o musical Alice By Hearth, estreado no circuito Broadway / West End, em 2016, obra dos mesmos autores de “O Despertar da Primavera” – Duncan Sheik (compositor) e Steven Sater (letrista).

E é este espetáculo que acaba de chegar aos palcos paulistas, sob a direção concepcional do conceituado expoente da nova geração do teatro musical em moldes brasileiros - Gustavo Barchilon, a partir de novos dimensionamentos dramatúrgicos combinados com a dupla da criação original Sheik/Sater.

Por uma mais livre adaptação titulada, aqui, como Alice de Cor e Salteado, sob um ideário dos jovens protagonistas da peça - Gabi Camisotti e Diego Montes - junto ao diretor de produção Thiago Hofman. Contando, ainda, com apurada equipe tecno/artística de representativos nomes do cenário teatral brasileiro, incluindo um afinado elenco da nova geração integrado por atores-cantores-bailarinos.


Alice de Cor e Salteado. Musical de Duncan Sheik e Steven Sater. Gustavo Barchilon / Direção Concepcional. Junho 2025. Gi Alcayaga / Fotos.


Dentro desta nova proposta, um diferencial cenográfico  (Natália Lana) é imprimido na sua transmutação para palco arena cuja circularidade propicia uma ambientação intimista e imersiva, com a maior proximidade do espectador. E onde a caixa cênica é preenchida por elementos minimalistas próprios à identificação de um refúgio de bombardeios, anos quarenta, em tempos de guerra mundial.

Sugerindo uma espécie de bunker no metrô londrino de 1941, servindo de abrigo/hospital para um grupo de adolescentes, sob os cuidados de uma pequena equipe com médico e enfermeira. Todos eles vestidos com indumentárias cotidianas (Luísa Galvão) ou profissionais  mas que, aos poucos, vão  caracterizando-os na tipicidade dos personagens ficcionais da narrativa de Alice de Cor e Salteado.

Incluído o uso de capacetes e fuzis com outras destinações, ressignificando ora  cascos de tartaruga, ora  copos ou cachimbos de fumar narguilé. Sob funcionais efeitos luminares (Maneco Quinderé), indo da prevalência de tonalidades sombrias a pinceladas de cores mais vivas, quando os atores interpretam canções melancólicas de luto e de dor ou passam a representar, com afeto e ironia, as figurações fantásticas de Lewis Carroll.

Entremeados por acordes mais energizados que remetem a temas de indie rock, dando pulsão a uma expressiva corporeidade gestual nos movimentos coreográficos de Cecília Simões, através de bem executada trilha sonora na prevalência sensorial de um cello, sob o comando e arranjos de Gui Leal.

Destacando-se, ali, os inspirados solos vocais e declamatórios de Gabi Camisotti (Alice), seguidos da envolvente participação musical e performática de Diego Montez em dúplices atuações, dividindo-se como Alfred, o pretenso enamorado dela acometido de fatalista tuberculose ou no papel do Coelho Branco.

Sem deixar de lembrar as personificações tocantes de Renan Mattos como o sofrido Harold Pudding ou sendo o Chapeleiro Maluco, incluindo-se também outras notórias atuações de Yasmin Gomlevsky, Valéria Barcellos e Bruna Pazinato, revivendo a Lagarta, o Gato de Ceshire e a Rainha de Copas, entre outros marcantes personagens.

A direção, sempre artesanal de Gustavo Barchilon, demonstrando seguro enfrentamento do desafio comparativo deste musical em relação à clareza maior do outro (O Despertar da Primavera) na abordagem de sonhos adolescentes.

Ou, na especificidade do teatro musical em  Alice de Cor e Salteado, questionando e refletindo sobre a decifração do enigma proposto, aliás bastante oportuno no momento :  

Até onde vai, afinal, a trágica realidade que afeta a condição humana em tempo de guerra e começa o escape no delírio sobre como encontrar a paz num mundo ficcional? ...

 

                                               Wagner Corrêa de Araújo



Alice de Cor e Salteado está em cartaz no Teatro Estúdio / SP, sextas, sábados e segundas, às 20h30; domingos em horários alternativos, até o dia 4 de agosto

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