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Eddy Violência & Metamorfose. A partir da obra de Édouard Louis. Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky/Dramaturgia e Direção Concepcional. Julho/2025. Renato Pagliacci/Fotos. |
Considerado um fenômeno midiático da literatura francesa de
hoje Edouard Louis é um jovem autor
que, além de ter seus livros traduzidos em vários idiomas, tem sido adaptados aos
palcos e às telas. Dando voz ao que ele classifica como “morte social”, à causa do preconceito e da exclusão por sua origem
humilde e a libertária identificação de sua sexualidade.
A maioria deles de cunho
autobiográfico falando de uma conturbada trajetória pontuada pela homofobia, no meio familiar e escolar, e por um episódio de violência sexual provocador
de uma corajosa metamorfose em seu conceitual
de vida, na assumida remissão pelo ofício
da palavra literária e teatral.
E tudo isto a partir dos relatos de brutal assédio sofrido, desde
o perfil de um pai machista radicalizando sua repulsa a um filho direcionado
pela delicadeza com subliminares trejeitos femininos e incapaz de se assumir como um cara de dura
masculinidade, a uma mãe indiferente imersa nos seus afazeres domésticos.
Demonstrando desprezo ao sensível menino estigmatizado na
escola por seus colegas no bullying
dos apelidos de “bicha, veadinho, boiola,
maricas” por gostar de livros, querer dançar e se travestir como ator. Ao mesmo tempo em que é humilhado por
seu status social de pertencimento às classes marginalizadas de uma familia
operária.
Quando então, depois de participar de um grupo teatral em
outra cidade, abdica de sua recessiva vivência rural e provinciana, na ida
definitiva para Paris onde pretende ter plena liberdade de pensamento e de ação
iniciando-se como escritor, sequenciado como dramaturgo e ator.
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Eddy Violência & Metamorfose. Com Júlia Lund, João Côrtes e Igor Fortunato. Julho/2025. Renato Pagliacci/Fotos/Estúdio. |
Questionando-se “será
que estou condenado a sempre esperar
por outra vida” é abordado por um imigrante argelino em sua volta para a casa
parisiense, numa noite de Natal. Advindo nesta hora a sombria causa de um estupro
violento e uma quase morte no entremeio de um inesperado encontro sexual de
recíprocos estranhamentos.
E é no preciso uso destes elementos psicofísicos que é
construída a narrativa dramatúrgica da peça Eddy Violência & Metamorfose, num artesanal conluio de um dúplice
processo concepcional e direcional de Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky, na celebração
dos dez anos da Cia Polifônica (sob
o original ideário de Luiz Felipe Reis e Júlia Lund).
Reunindo em cena os atores João Cortes, como o alterego de
potencial identidade sensitiva com Édouard
Louis, a convicta representação como de hábito pela atriz Júlia Lund, aqui no papel de
Clara, irmã de Édouard ou da investigadora policial, mais a contumaz visualização
da xenofobia na enérgica entrega de Igor Fortunato, alternando-se como o estrangeiro
Redá, o mentor do crime sexual, ora o
marido-confidente de Clara.
Em performances irrepreensíveis que se materializam na
dimensão psicológica e na fisicalidade de personagens, conectadas sempre sob traços
dramáticos sensoriais de reveladora tensão. Inspiradas por passagens
confessionais de três livros de Édouard Louis – O Fim de Eddy, História da Violência e Mudar : Método.
No preenchimento minimalista de uma caixa cênica (André Cortez) com um sofá cama, mesa e cadeiras,
frontalizada por um telão que imprime ao espaço os caracteres de um estúdio cinematográfico,
no uso de câmeras e luzes (Julio Parente, Rodrigo Lopes) com projeção simultânea da atuação
atorial, todos portando uma indumentária de tons cotidianos (Antônio Guedes).
Onde o desnudamento explícito do casal masculino em poses
erotizadas é imprimido sob uma estética plasticidade gestual (Lavínia Bizzoto)
na alternação entre as carícias do ato físico e a sua súbita brutalização, num imaginário referencial ao quadro Duas Figuras, de Francis Bacon. Outra vez Luiz Felipe
Reis acertando com suas interveniências musicais na escolha de acordes
expressivos, de sonhos intimistas a sequenciais traumas.
A parceria dramatúrgica/direcional (Luiz Felipe Reis e
Marcelo Grabowsky) primando na competência pelo alcance da sintonia com uma
teatralidade que se expande a outras
linguagens artísticas, da literatura ao cinema, aliás o prevalente signo da cia Polifônica. Numa investigativa posposta
dramatúrgica / ideológica que, antes de tudo, faz refletir sobre a problemática
da contemporaneidade ecoando a palavra-verdade de Édouard Louis sobre catarse e metamorfose :
“Cada vez que dizemos
eu mudo, tornamos possível que outras pessoas digam eu quero mudar”...
Wagner Corrêa de Araújo
EDDY Violência & Metamorfose na sua segunda temporada,
depois do Sesc/Copacabana, agora no Teatro Poeira, de quinta a sábado, às 20h e domingo às 19h, até 31 de agosto.
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