FOTOS/ CAROL PIRES |
Um dos fetiches do universo gay é a ambiência militar com
seus uniformes, banhos coletivos e o convívio próximo de uma fisicalidade jovem
submetendo-se aos jogos hierárquicos do domínio e da submissão nos acampamentos e quartéis.
Que se faz presencial na literatura e no cinema, com
exemplificações que vão do romance O Bom Crioulo do brasileiro Adolfo
Caminha, no final do século XIX, à celebrada criação ficcional de Jean Genet – Querelle - e na sua transposição cinematográfica por
Fassbinder , com o olhar armado na contemporaneidade.
E, pela primeira vez, abordado como uma temática de
enfrentamento pelo musical americano do terceiro milênio por iniciativa autoral
de dois irmãos de sangue, assumidamente homossexuais, David(escritor e libretista)e Joseph Zellnik(compositor) em “Yank – Uma História de Amor da Segunda Guerra
Mundial, original de 2005.
Onde onze personificações masculinas servem de esteio para uma
narrativa dramatúrgica no front americano dos anos quarenta da II Guerra Mundial. Partindo da descoberta, por um jovem de San Francisco, do manuscrito/diário de um soldado americano - Stu(Hugo
Bonemer) - integrante de um pelotão de 1943 - com intimistas revelações de sua atração
sexual por um colega de farda – Mitch(Conrado Helt) - de irrestrita postura hétero .
Na progressão dramático/musical da narrativa cênica, o conflituado embate mental de Stu , no aceitar de sua
sexualidade nesta entrega a uma paixão "proibida", vai se transformando num jogo arriscado diante do preconceito dos
colegas e da pulsão conservadora e punitiva das patentes superiores como o
Sargento ( Bruno Ganem).
Na alteridade das cenas com os camaradas de armas, em rápidas
entradas e saídas, a única representatividade do feminino através de uma show woman, na linha Betty Grable, com
suas performances de animação dos recrutas, interativa com certa referência lésbica em outro papel. Em potencializada
energia vocal e elegante atuação pela atriz/cantora Fernanda Gabriela.
Até a chegada do fotógrafo gay Artie provocando Stu a ser repórter da revista Yank, de destinação lúdica para os
soldados, ao mesmo tempo, em que o incita a dar um basta a qualquer repressão
sexual. Na autenticidade de afetado gestual enunciativo da irrestrita postulação
pelo amor entre iguais, na bem humorada performance de Leandro Terra.
Apesar da ameaça de um certo assédio nas insinuações eróticas
do partner de imprensa, o soldado Stu
torna cada vez mais ousada sua relação afetiva por Mitch, superando a ilicitude e perversão apontadas pelos camaradas de farda.
Numa produção cenográfica recatada, sujeita às adversidades da
falta de patrocínio, e quase sugestionando uma obra em construção, cada um faz o melhor que pode para o alcance de um
objetivo teatral comum, através do seguro incentivo diretorial de Menelick de
Carvalho.
No minimalismo dos materiais de palco(beliche, cadeiras e pequena mesa)
e na adequação da indumentária militar,
tudo com sóbria direção de arte(Vitor Aragão) e prevalência luminar mais vazada (Daniela Sanchez).
Ao lado de um dedicado grupo instrumental com sonoridade
camerística, entre cordas e teclados, sob o habitual apuro do comando musical
de Jules Vandystadt, com sutis ecos do musical anos 40/50 em frases de
proximidade nostálgica a la Hartz/Hammerstein, em versão das canções com dúplice autoria - Menelick de Carvalho / Vitor Louzada.
De bom alcance em episódicas sequências coreográficas com uma
pincelada tap dance por Clara da Costa, no compartilhamento do elenco
principal em coadjuvância coral/gestual com os demais atores(Dennis Pinheiro, Leonam Moraes, André Viéri, Alain
Catein, Robson Lima e Rhuan Santos).
E que, neste Yank!O Musical!, não
importando qualquer restrição como resultado artístico e imune a qualquer acusação degenerativa,
valida-se por sua celebração dramatúrgica
da resistência pela liberdade de opção sexual.
Wagner Corrêa de Araújo
YANK! O MUSICAL! está em cartaz no Teatro dos Quatro/Shopping
da Gávea/RJ, terça e quarta, às 20h. 130 minutos. Até 2 de maio.
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