FAUNO: COM O OLHAR ARMADO NA CONTEMPORANEIDADE


FOTOS/SERGI ARBUSÀ

Faunos, também conhecidos como sátiros, eram seres metonimicamente meio homens, meio animais, com suas orelhas e caudas de asno, que habitavam os bosques. Onde, de acordo com as narrativas fabulares greco/latinas, sempre  bêbados e sob o som de suas flautas  perseguiam lascivamente as ninfas.

O que, a partir de um  poema de Mallarmé, L’Aprés Midi d’un Faune,  musicado por Debussy, inspirou a performance autoral de Nijinsky, abrindo as portas para a modernidade da dança, em 1912. Afinal, ele “fez o público salivar, engolir em seco e estremecer” com sua progressão dançante carregada de sensualismo.

Segundo Gustavo Gelmini , o idealizador e diretor da atual concepção-  titulada Fauno - frente à sua Cia Gelmini, se aproximação existe com Nijinsky “é  a do diretor como espectador profissional, como Grotowski costumava apontar, ou de um dj de movimentos, trabalhando as intenções psicológicas dos intérpretes e costurando frases coreográficas e deslocamentos”.

Dando continuidade a um acurado trabalho investigativo sobre as perspectivas do universo coreográfico contemporâneo no encontro com outras linguagens artísticas, a Cia Gelmini, em apenas três anos, vem mostrando uma incisiva continuidade do processo criador dentro da trilogia do homem contemporâneo, inicializada em 2017.

Diversificado na rejeição da espetacularidade dos efeitos cênicos, no intimismo envolvente, sujeito/objeto, espectador/bailarino, dos requintados fraseados musicais/corporais de Toque, com Renato Cruz e o performer/percussionista Cyril Hernandez. 

E que é retomado na essencialidade da instalação cenográfica(Sergi Arbusà) deste Fauno, de funcional aporte técnico/artístico, do desenho de luz (José Geraldo Furtado), particularizado na imagística cinética entre sombras, à tessitura plástica de um inflável cuja transparência favorece, sobremaneira, as relações espaciais palco/plateia.

Na imanente  fisicalidade conectada a uma dramaturgia de subjetivação através dos bailarinos/criadores(Mônica Burity/Tiago Oliveira)  em potencializada performance de significado gestual, desde sutis referenciais ao ser mítico como no jogo de desnudamento da máscara humana, nas expressivas contrações e relaxamentos de  tronco e membros.

No entremeio de envolvente score musical/sonoro(Cyril Hernandez/Gustavo Gelmini), indo  de acordes  com prevalência de cordas, entre temas para cello de Jordi Savall a Bach, alterativos com equilibradas passagens de pausa e silencios.

Na singularidade de um suporte ritualístico laico, seguindo Grotowski, para um resultado estético que surpreende, em sua despretensão, fazendo fluir energizado psicologismo social em suas mobilizações físicas.  Tal como na lição antropológica de Bruno Latour : “Ter um corpo é ter disponibilidade para afetar e ser afetado”.

                                            Wagner Corrêa de Araújo    

                                                        
FAUNO está em cartaz no Espaço Sesc/Copacabana/RJ, de quinta a sábado, às 19h; domingo, às 18. 55 minutos. Até 29 de abril.

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