Triple Bill / BTM/RJ. Rodrigo Amarante/Concepção Coreográfica. Em cena, Scheherazade. Outubro/2024. Filipe Aguiar/Fotos. |
No apogeu dos Ballets Russes de Serge Dhiaghilev acontece, em 1910, a concepção coreográfica de Mikhail Fokine inspirada pela suíte sinfônica Scheherazade, de Nikolai Rimsky-Korsakv, 1888, numa época em que o exotismo orientalista estava em moda nos circuitos artísticos parisienses. A obra, originalmente em quatro movimentos, não seguiu rigorosamente a temática, a partir das fábulas árabes das Mil e Uma Noites, nem pela titulação conferida pelo compositor a cada um dos seus quatro movimentos.
Tendo na sua estreia, nos papéis protagonistas, a bailarina Ida Rubinstein ao lado do então grande fenômeno
da época Vaslav Nijinsky. Musicalmente um hit sinfônico através de maestros da categoria de Stokovsky a Bernstein e Karajan,
sendo por vezes abordada em concepções mais avançadas por novos coreógrafos e
cias, especialmente a partir da comemoração centenária dos Balés Russos de
Dhiaghilev.
E entre estas, das mais recentes, está a do coreógrafo
brasileiro Ricardo Amarante, concebida para o Vanemuine Ballet, Estônia, março de 2022, reapresentada em outros palcos mundiais e,
agora, pela primeira vez no Brasil, com o Balé
do Theatro Municipal carioca. Scheherazade
integrando o espetáculo Triple Bill,
completado por mais duas coreografias de Ricardo Amarante - Love Fear Loss e o Bolero, de Ravel, estas já apresentadas ali.
Em suas linhas básicas, o enredo fabular é no entorno de um
sultão com seu harém de concubinas virgens onde as escolhidas são eliminadas após
a primeira noite de prazeres. Escapando sempre Scheherazade ao narrar contos cuja sequencia era adiada às noites
seguintes, até que esta é acusada de trair o sultão com um escravo prisioneiro,
conduzindo a um trágico epílogo.
Triple Bill/ Ricardo Amarante/Coreografia. Love Fear Loss. Outubro/2024. Filipe Aguiar/Fotos. |
Numa coreografia de Ricardo Amarante que não altera a
sequencialidade narrativa da original de Fokine, mas imprime um subliminar sotaque mais
contemporâneo, sustentado em maior sensualidade gestual das cenas amorosas, entre solos e formações grupais, sob movimentos mais atléticos no naipe
masculino dos bailarinos.
Com um bem ensaiado corpo de baile e convictos solistas, destacando-se em caráter especial, o absoluto brilho performático da primeira bailarina
Márcia Jaqueline no papel titular, alternado em outros dias por Juliana Valadão
e Marcela Borges.
Ampliados pela funcional concepção cenográfica e indumentária
de Renê Salazar, sob um evocativo décor árabe/orientalista e por um acurado acompanhamento
da OSTM, na firme regência de Felipe
Prazeres, sabendo como transmitir o fascínio sensorial da mais emblemática obra sinfônica de Rimsky-Korsakof.
O programa Triple Bill,
com obras do conceituado coreógrafo paulista Ricardo Amarante, sequenciado
por Love Fear Loss, seu balé mais representado e aplaudido pela crítica,
estruturado em três pas-de-deux,
tendo como substrato a temática lírica e trágica de canções que celebrizaram Edith Piaf. Sugestionando o despertar da
paixão amorosa (Hymne a l”Amour), dos
conflitos da separação (Ne Me Quitte Pas)
à dor causada pela perda (Mon Dieu).
A partir das releituras pianísticas (Natahliya Chepurenko), num palco, entre luzes e sombras, com um
pianista ao vivo (Murilo Emerenciano) onde tres casais de bailarinos, em indumentárias
romantizadas (ofício inventivo tríplice do coreógrafo), percorrem uma
trajetória de passional intimismo pelas emotivas canções compostas por Jacques Brel, Charles Dumont e a
própria Piaf (em parceria com Marguerite Monnot).
Com alcance de potencial apelo interpretativo, expressivo e
técnico, pelos duos (alternados na temporada) no entremeio dos acordes em
compasso de prevalentes adágios, sucedendo-se os seis bailarinos em arabescos,
giros, entrelaces e elevações. Sob luminosa performance de entrega amorosa dos
três casais, nas sequenciais partes - Love
(com Marcella Borges/Michael Willian),
Fear (por Claudia Mota/Edifranc Alves)
e Loss (através de Juliana Valadão/Cícero Gomes).
Para fechar o espetáculo o popular Bolero de Ravel, outra das vigorosas concepções autorais de Ricardo Amarante
que o celebrizaram, além fronteiras,
como mais um destes reconhecidos bailarinos/coreógrafos brasileiros. Em momento propício
para avaliar, também, o ascendente nível do Balé do Theatro Municipal/RJ,
depois de anos difíceis com perda progressiva de sua qualitativa tradição de cia
clássica...
Wagner Corrêa de Araújo
Triple Bill/BTM, em cartaz no TMRJ, em curta temporada, com horários diversos, de 16, quarta, até domingo, 20 de outubro.
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