Maestro Selvagem. Miriam Halfim/Dramaturgia. Ary Coslov/Direção Concepcional. Outubro/2024. Guga Melgar/Fotos. |
“Este jovem começa onde
eu termino”(Giuseppe Verdi). Foi através
destas palavras de entusiasmo e prenúncio de uma trajetória musical, ao assistir
(1870), no Scala de Milão, à estreia de Il
Guarany, que o então mestre dos
mestres da ópera italiana, reconheceu o original
talento de um brasileiro de origem provinciana - Antonio Carlos Gomes.
Qualquer um de nós, desde a sua infância, é capaz de se identificar
com os conhecidos acordes iniciais da abertura da ópera Il Guarany, tema do programa radiofônico oficial A Voz do Brasil, desde a sua criação em 1935,
por Getúlio Vargas e sempre no ar às 19 hs.
Mas, certamente, poucos devem saber sobre a sua vida e obra,
entre o Brasil e a Itália, no entremeio de sucessos e tragédias, daquele que
viria a ser considerado o maior compositor operístico das Américas, no século
XIX. Através de um legado de oito óperas, e algumas incursões em opereta, oratório,
sonata, além de hinos, modinhas e canções que se tornaram populares.
E se você for um destes que se interessam pela história da nossa música sem restrições de gêneros e estilos, corra para ver Maestro Selvagem, mais uma das apuradas criações dramatúrgicas de Miriam Halfim e, aqui, outra vez, sob a artesanal direção de Ary Coslov, tendo como protagonista titular o conhecido ator em atuações no teatro, na televisão e, especialmente, no cinema, estendendo-se à produção e direção cinematográfica, Luciano Quirino.
Maestro Selvagem. Miriam Halfim/Dramaturgia. Ary Coslov/Direção. Luciano Quirino/Protagonista Titular. Outubro/2024. Guga Melgar/Fotos. |
O minimalista cenário (Marcos Flaksman) ambienta um clima
atemporal, através de um painel frontal com projeções videograficas, extensivo
a um figurino contemporâneo cotidiano (Samuel Abrantes) com sutil sugestionamento
de costumes de época, sob os efeitos luminares, ora vazados ora focais, de
Aurélio de Simoni.
Em mais uma de suas primorosas seleções musicais, Ary Coslov,
em função dúplice como diretor, dá um panorama antológico entre trechos sinfônicos
e vocais das óperas de Carlos Gomes. Incluindo, ainda, um movimento de sua inspirada
Sonata Para Cordas, e algumas de suas melodiosas canções, destacando-se a
personalista versão cantada de Ney Matogrosso para a modinha Quem Sabe.
O que é correspondido no espontâneo registro gestual (Marcelo
de Aquino) do ator em suas movimentações pela caixa cênica ou pelas inflexões
referenciais de um maestro regendo, com um discricionário acerto, embora não
consiga escapar de reiterativos movimentos, longe da modulação composicional
das obras apresentadas.
Onde a força da narrativa dramatúrgica (Miriam Halfim) com uma
assumida sequencialidade coloquial dos desafios enfrentados por Carlos Gomes,
de sua infância em Campinas, passando pelos seus encantamentos amorosos e sua chegada
à capital do Império acabando por conquistar, por seu talento, o reconhecimento de D. Pedro II, indo se aperfeiçoar em Milão, e compensado pelo triunfo de Il Guarany e de algumas outras óperas.
Até o advento de períodos difíceis, acentuados pelo fracasso de Maria Tudor, pela Proclamação da República (sendo ele, mais monarquista que o próprio Imperador) e por um câncer terminal, interrompendo seu derradeiro alento artístico no Conservatório de Belém do Pará, em 1896, completados seus sessenta anos.
Enquanto o enredo da peça no seu angulo musical faz ecoar a importância de um
compositor que, embora preso a um melodismo operístico italiano, ousou abordar temas
pátrios como o indigenismo usando instrumentos nativos e a escravidão, falando
para o nosso tempo com o presencial de um ator (Luciano Quirino), subliminarmente
identificável física e racialmente com Carlos Gomes.
Conectado por uma qualitativa trilha sonora (Ary Coslov) capaz de caracterizar as várias facetas do estilo de um compositor entre a linguagem musical italiana, mas também habilitado por imprimir um sotaque artístico sob raízes brasileiras. Ou mesmo de vislumbrar um ocasional e discreto experimentalismo à moda wagneriana.
Tudo enfim concorrendo - dramaturgia refinada, direção luminosa e convicta performance atoral - para um espetáculo que merece ser conferido por sua proposta teatral didática, de resgate e tributo a um dos grandes personagens da arte musical e da cultura brasileira.
Wagner Corrêa de Araújo
4 comentários:
Carlos Gomes foi o primeiro artista do Novo Mundo a vencer no Velho Mundo. O Teatro alla Scala de Milão era o Templo Máximo das Artes, na época, como uma Hollywood. Após a estreia de Il Guarany, em 1870, durante uma década, Carlos Gomes foi mais encenado compositor apos Verdi, causando uma reação xenófoba no meio musical liderado pela editora musical Ricordi, que detinha os direitos da maioria dos compositores italianos.
Estou curioso para assistir a peça!
Deve ser bastante interessante!
Eu também
Gostei bastante!
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