TILDA SWINTON, protagonista de A Voz Humana, filme de Pedro Almodóvar. 2020. Foto/divulgação. |
Escrita em 1927, por encomenda da Comédie Française, A Voz
Humana teve sua première em 1930, com a prestigiada performance de Berthe Bovy. O texto, de Jean
Cocteau, tinha seu referencial na
exaltação dos movimentos dadaísta e futurista aos objetos industriais e à
tecnologia.
Sua trama dramatúrgica, com menos de uma hora, mostra uma
mulher em seu leito e que, abandonada pelo amante, tem seu olhar
insistentemente armado no toque de um
aparelho de telefone. Que pode surpreendê-la, a qualquer momento, pela voz do
homem que ela ainda ama mas que a deixou por outra mulher.
Na época de sua criação, poeticamente entremeado de
silêncios, ausências, pausas e esperas, configurava um monólogo ou um solilóquio de uma atriz dialogando com a própria voz, diante de uma metafórica
sonoridade mecânica que não se pode
ouvir.
E foi esta marca estética que apressou a sua transformação em
ópera (1959), com a partitura de Francis Poulenc. Que, na sua densidade
orquestral, possibilitava devaneios sensuais, no confronto da contextualização
teatral de uma atriz com o canto lírico de uma soprano.
Mas alcançou, também, o cinema de Rosselini com Anna Magnani, teve
em Simone Signoret e Ingrid Bergman (esta numa adaptação televisiva)
intérpretes idealizadas e, no Brasil, inaugurou
a sede do Teatro Brasileiro de Comédia (1948), no original francês, através de
Henriette Morineau.
Texto teatral que sempre foi um referencial para alguns dos mais emblemáticos filmes de Pedro Almodóvar desde A Lei do Desejo,
de 1987, inclusive citando em seu roteiro a peça de Cocteau, até Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos, de
1988.
A concepção cinematográfica direciona, com extrema radicalidade,
as indicações de Cocteau na sua sugestão de uma atriz que inspire charme,
elegância (com figurinos Balenciaga) e jovialidade mas que, tendo sido desprezada pelo amante, é capaz de
gestos inusitados como adquirir uma machadinha sugestionando que cometerá algum
ato extremo.
Por sua duração que o aproxima mais de um curta sem chegar a
ser um média metragem, espera-se que A
Voz Humana, com reconhecido aplauso de público e de crítica no último Festival
de Veneza, fique liberado pelo menos nas plataformas digitais. Por não alcançar o tempo mínimo
para ser exibido nos circuitos cinematográficos, como a possível e talvez única saída para consolo do
extenso fã clube do polêmico cineasta espanhol.
Wagner Corrêa de Araújo
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