FOTOS/LENISE PINHEIRO |
“Quem dentre vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão”- passagem emblemática do Evangelho Segundo São Mateus que dimensiona o intimo relacionamento religião / política na estruturação do “novo sindicalismo”, a partir da greve dos metalúrgicos no ABC paulista( 1979).
Na pulsão anticapitalista do movimento operário, apoiado por
um cristianismo progressista e lideranças estudantis, nos ecos finais da ditadura militar, inspirou-se O Pão e A Pedra, espetáculo da
Companhia do Latão.
E que, simbolicamente, foi gerido durante os controversos episódios,
entre prós e contras, da recente queda do ciclo de prevalência no poder
político do Partido dos Trabalhadores.
Com seu sólido esteio documentário , a peça focaliza os
embates de um significativo número de operários sindicalizados em suas demandas
,como trabalhadores assalariados, diante das forças opressivas do capital.
Pairando sobre eles a liderança de Luís Inácio Lula da Silva,
com sua presença metaforizada pela voz
em off ,ao lado do seu referencial idealista
convocatório sobre os mentores da greve.
Apesar do segmento conclusivo, no decorrer das negociações e para
decepção de seus militantes, pela cessão e recuo do ideário reivindicatório a favor da
preservação e da sobrevivência da organização sindical.
A dramaturgia e direção de Sérgio de Carvalho revela perceptíveis
nuances épico/dialéticas da cartilha brechtiana, com seu didatismo claro e inteligente. Mas, em
paralelo, evita os ecos coletivos meramente panfletários por um eficaz e
pungente psicologismo dos personagens.
O espaço cenográfico singularizado num picadeiro móvel , junto aos figurinos cotidianos e aos uniformes de ofício, empresta
a esta dúplice realização (Cássio Brasil), as necessárias vivências entre a interiorização
e o apelo social da montagem.
Ressaltadas , ainda, no desenho de luz vazado(Melissa
Guimarães) e no magnetismo do acordo textualidade / acordes vocais e
instrumentais da trilha autoral ao vivo (Lincoln Antônio).
O desempenho estimulante, enérgico e emotivo do elenco
esclarece os conflitos e consubstancia os personagens num jogo de interação e
cumplicidade com o público. Alternando, com artesanal espontaneidade e
contraponto crítico, os contrastes dramáticos do status confessional nas posturas frente ao
trabalho e à vida.
Se é possível destacar,pela relevância de suas
personificações, o ceticismo de Ney Piacentini, a rudeza de Rogério Bandeira e a maleabilidade de Sol Faganello, há adesão, organicidade e
convicção na performance dos outros companheiros/camaradas.
Tais como se estivessem todos a repetir como o personagem
escravo de Eurípides , também um desfavorecido pelas injunções político/sociais:
“Se não sou livre pela minha condição, sou pelo pensamento”.
Wagner Corrêa de Araújo
Wagner Corrêa de Araújo
O PÃO E A PEDRA está em cartaz no Teatro III do CCBB/Centro, de quarta a domingo, às 19h30m. 170 minutos, com intervalo. Até 13 de fevereiro.
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