FOTOS/ JULIANA HILAL |
“Eu vi a terra
prometida, mas eu não posso chegar lá com você”. Nesta frase metafórica a previsão de uma trama enigmática e
de transmutações, entre o mais simplório
cotidiano do comportamento humano e os sonhos míticos de um líder nos seus embates pela igualdade racial nos direitos civis.
Com ambientação no despojamento de um quarto de hotel sem aparatos,onde Martin Luther King acaba de
chegar depois de sua icônica pregação( I’ve Been to the Moutaintop) no púlpito de uma igreja em Memphis.
Imerso no questionamento sobre a continuidade de suas
aspirações sociais ou na dúvida do pressentimento da morte próxima. O que
seria fato no dia seguinte -3 de abril
de 1968 – interrompendo a trajetória existencial de breves 39 anos.
“O Topo da Montanha”,
da dramaturga ativista – Katori Hall , reúne, ficcionalmente , apenas
dois personagens MLK ( Lázaro Ramos)
e a camareira Camae (Taís Araújo) . Numa apurada tradução (Silvio
Albuquerque) que alcança um vigoroso dimensionamento cênico no comando mor de
Lázaro Ramos, com o suporte precioso de Fernando Philbert.
O percurso narrativo acontece, inicialmente, como um jogo
dialogal de enunciados absolutamente corriqueiros no seu retrato carne e osso, sangue e vísceras,
de um homem comum. Capaz de olhares concupiscentes para a empregada e perturbado pelo odor fétido dos seus pés, sem disfarçar suas fragilidades, suas
dúvidas e pecados.
A parceria da serviçal hoteleira (Taís Araújo) brinca, sutilmente, com seus apanágios sedutores e, progressivamente, envolve MLK num clima de
realismo mágico, entre uma postura de ingênua risibilidade e o desnudamento de uma atitude surrealista
de anjo anunciador.
E é este equilíbrio, de tessituras tragicômicas, que
estabelece uma delirante imersão entre o
sonho e o real, a ilusão das aparências e as percepções da falácia, num
mergulho conceitual sobre o homem e o mito, a mortalidade e a esperança.
Tornando mais factível este confronto psicológico, absorventes
soluções cenográficas (André Cortez), que na eficaz sobriedade dos outros
elementos técnico/artísticos – figurinos( Tereza Nabuco),luz(Valmyr Ferreira) e
score sonoro (Wladimir Pinheiro), materializam um discurso verista/celestial .
A convicta concepção diretorial impulsiona, com prevalente
ritmo, as passagens entre estes dois estados sensoriais, da fisicalidade à
pulsão do metafísico, transcendentalizados,
sobremaneira, no desempenho , de presencial apelo público, do carismático
casal de atores.
Onde a autoestima e a
vaidade de um ser de exponencial dotação alcança, na vigorosa entrega de Lázaro
Ramos ao seu papel, a oponente
caracterização da insegurança e da incerteza na continuidade de sua missão
político/apostólica.
Enquanto a verve humorística do personagem de Taís Araújo,
afiada em mordazes injunções de angelitude e demonização, imprime um clima de
inusitadas e arrebatadoras surpresas no sequencial dramatúrgico, numa
das mais gratificantes e reveladoras performances da temporada.
Wagner Corrêa de Araújo
O TOPO DA MONTANHA está em cartaz no Teatro Sesc/Ginástico/Centro/RJ, sexta e sábado, às 19h;domingo,às 18h. 90 minutos. Até 19 de fevereiro.
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