Copacabana Palace - O Musical. Direção/Gustavo Wabner/Sergio Módena. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin. |
Nesta tentativa de se fazer uma retrospectiva teatral já no biênio do surto pandêmico, diante do desafio dos riscos da contaminação, continuou a formatação híbrida do espetáculo cênico nas plataformas digitais. Interrompida, ainda que timidamente, com a expansão do processo vacinal a partir do segundo semestre de 2021, com alguns bastante raros espetáculos ao vivo para desenvolver uma temporada nos moldes tradicionais.
Uma representação atoral fissurada em seus elementos básicos
- o fator presencial e o face a face - impedida, assim, de ser compartilhada,
numa comum emoção coletiva palco/plateia, ator/espectador.
Mas, ao longo do tempo, sendo sistematizada, ao que tudo
indica vindo para ficar, quando a conexão dos recursos virtuais, cinéticos
e dramatúrgicos acaba provocando novas e
inventivas perspectivas estéticas, tanto no processo de criação quanto na expansão
virtual para públicos até então inatingíveis, das mais remotas regiões do país e do mundo.
E destacando-se, nesta específica trajetória cênica que tem sido titulada de peça-filme, Vozes do Silêncio, a partir de três provocativos textos curtos de Beckett sob artesanal comando diretor de Fabio Ferreira e por um visceral protagonismo solista de Carolina Virgüez.
A Desumanização. Direção/José Roberto Jardim. Setembro 2021. Foto/ Victor Iemini. |
Uma sucessiva postagem de investigativas obras fílmico/cênicas, numa linha autoral/beckettiana, vem sendo uma aposta para José Roberto Jardim, neste período de reclusão 2020/21. Além do formato de A Desumanização, a partir de Walter Hugo Mãe, em leitura paralela para os meios virtuais e para o palco, com plasticidade cinética ímpar. O primeiro e mais instigante espetáculo na volta da temporada presencial do CCBB carioca.
No segmento de peças voltadas para o universo LGBT, houve um encontro incisivo de
linguagens artísticas além do teatro, com inventivo apelo psico/virtual para
tratar, sem falsos pudores e disfarces, do enfrentamento de tema necessário para
tempos de tanto obscurantismo político e cultural. Como Entre Homens, Conectados
& Por Amor, ideário e
realização de Cesar Augusto, Rogério Correa, Isaac Bernat e uma potencial trupe de atores.
Entre Homens, Conectados & Por Amor. Junho 2021. Foto Montagem/Divulgação. |
Ainda no plano virtual, a oportuna ação da Dell'Arte Digital propiciando o acesso a espetáculos internacionais direcionados
ao interregno da pandemia, depois de sua programação ser inicialmente planejada para a
temporada brasileira, como Murmurs (Murmures des Murs), o circo imaginário e
o teatro alquímico de Victoria Chaplin
na sensorial envolvência da performance de Aurelia
Thierrée, neta de Chaplin.
Na retomada do palco presencial, espetáculos de proposta
mais lúdica e interativa estimularam este reencontro do público com o teatro, através
de montagens despretensiosas com maior apelo popular, sob as limitações cênicas geradas,
à causa da desgovernança em detrimento da causa cultural, no entremeio da crise sanitária.
Como As Meninas Velhas, na parceria Cláudio Tovar/Tadeu Aguiar (e um afinado elenco feminino), a trama musical/romântica Charles Aznavour-Um Inventado Romance, por Daniel Dias da Silva (com Maurício Baduh/Sylvia Bandeira) e a temporada de repertório do ator e diretor Eduardo de Martini. Todos manifestando um belo esforço para superar as adversidades de um momento tão difícil para o exercício do ofício teatral.
Já em outro plano, mais transgressor, Pá de Cal, um
dos últimos textos de Jô Bilac, num substrato concepcional que remete, na
generalidade de sua abordagem crítica, à narrativa em torno de uma descida, sob
mote rodrigueano, ao inferno familiar, na acertada concepção direcional por Paulo Verlings e um
convicto quinteto de intérpretes.
Pá de Cal. De Jô Bilac. Direção/Paulo Verlings. Novembro 2021.Foto/Antonio Fernandes. |
E o sedutor magnetismo da montagem, com um elenco de craques entre duas
gerações, na direção dúplice de Sérgio Módena/Gustavo Wabner (Copacabana Palace - O Musical), roteiro dramatúrgico de Ana Velloso e Vera Novello, não só resgatando o lendário espaço cênico de grandes shows e montagens históricas, especialmente do Teatro de Boulevard, como no incentivo a um
tributo memorial ao hotel na sua simbologia turístico/nacional.
Duas gratas surpresas do teatro infanto-juvenil, se juntam ao
fato mais importante do panorama teatral carioca de 2021, a reinauguração do
Teatro Copacabana.
Em Zaquim, o Musical, no
seu olhar sem preconceitos de um espetáculo para todas as idades, criação coletiva
sob o comando concepcional de Duda Maia, há uma magia poética referencial sob um mágico jogo sustentado
pela corporeidade gestual e pelas sonoridades musicais, na iminência de um subliminar e aventureiro salto no espaço.
Enquanto Pinóquio, da Cia PeQuod, revela o dimensionamento
estético atingido pela direção de Miguel Vellinho num substrato
burlesco/circense, sob forte referencial de teatro de animação. E uma brilhante
partitura (Tim Rescala) que, em modulações camerístico/vocais remete a uma
opereta popular brasileira.
A Cia Ensaio Aberto, de Luiz Fernando Lobo, através de um texto tão simbólico como O Dragão torna-se, afinal, mais que um arquétipo para os dias que vivemos, alertando para os riscos da acomodação diante dos “dragões” que usurpam a liberdade do pensar e do agir, em falseadas propostas políticas que só levam aos riscos da inércia e do perigoso imobilismo social:
“A
nossa cidade é muito tranquila./Aqui não acontece nada / Não queremos mudanças.
/ Enquanto nosso Dragão estiver aqui, nenhum outro dragão se meterá conosco’’...
Wagner Corrêa de Araújo
O Dragão. Cia Ensaio Aberto.Direção/Luiz Fernando Lobo. Novembro/2021. Foto/Renam Brandão. |
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