MADAMA BUTTERFLY : ENCENAÇÃO CONECTADA À CONTEMPORANEIDADE IMPRIME UM SOTAQUE POLÍTICO À ÓPERA DE PUCCINI


Madama Butterfly/G Puccini. TMRJ. Pedro Salazar/Direção Concepcional. Novembro/2025. Daniel Ebendinger/Fotos.


Estreada em 1904, no Scala de Milão, Madama Butterfly desde seu original ideário, inspirado num conto americano de John Luther Long, transmutado numa peça também americana de David Belasco, manteve o mesmo substrato estético verista que marcou a trajetória operística de Giacomo Puccini.

Reafirmado não só em seu estilo autoral tanto na composição de sua partitura como no enredo dos libretistas italianos Giuseppe Giacosa e Luigi Illica. Madama Butterfly representando sua incursão inicial, aqui no orientalismo japonês, e ao chinês em sua derradeira e inacabada criação - Turandot, de 1924.

No caso da narrativa melodramática de Madama Butterfly revelando o adverso destino de uma gueixa japonesa – Cio Cio San, ainda adolescente e ingênua com seus 15 anos, deixando se iludir pelo interesseiro amor do oficial da Marinha dos EUA – Benjamin F. Pinkerton - em passageira missão oficial. E que depois de seduzi-la, com uma instantânea relação matrimonial a deixa grávida, sob as falsas promessas de retorno.

Abandonando-a para reaparecer três anos depois, com uma esposa americana Kate, além de lhe roubar o filho que ainda não conhecia, transformando o sonho de amor numa farsa, o que precipita o trágico final de Cio Cio San, através de um suicídio (seppuku) ritualístico samurai, para resgatar sua honra ultrajada.


Madama Butterfly/G Puccini. TMRJ. Pedro Salazar/Direção Concepcional. Soprano Eiko Senda e tenor Matheus Pompeu/Protagonistas. Novembro/2025. Daniel Ebendinger/Fotos.


Outros personagens se sucedem entre os Atos I e III, como sua fiel criada e acompanhante Suzuki (mezzo-soprano Luciana Bueno), o compreensivo cônsul americano Sharpless (barítono Inácio de Nono), além de característicos tipos japoneses como o monge budista Bonzo (baixo Murilo Neves) e o intrigante Goro (tenor Geilson Santos), completados por provincianos que integram as cenas coletivas.

Nesta montagem do Municipal carioca encerrando a Temporada Lírica 2025, a proposta cênica, pelo colombiano Pedro Salazar, dentro de uma tendência contemporânea de remontagens da Madama Butterfly, acontece no início dos anos 50, numa Nagasaki, ainda sofrendo os reveses da bomba atômica.

Ao contrário de outras releituras, a plasticidade cenográfica (Renato Theobaldo) potencializando o clima soturno da cidade destruída no pós-guerra entre resquícios de escombros, mostrando em proporção menor a casa da protagonista vista, sempre pelo lado externo, entre sombrios efeitos luminares (Angel Ancona).

Em contraposição pictórica, vistosas tonalidades acabam remetendo à tradição oriental nos artesanais figurinos de Marcelo Marques. E folhas de cerejeira caindo sobre o cenário propiciam uma poética imagem visual completada por um preciosismo  gestual, com acentuado referencial da cultura japonesa,  especialmente quando Cio Cio San (Eiko Senda) lembra a delicadeza expressiva de uma jovem em permanente estado de encantamento amoroso.

A OSTM, conduzida pelo maestro Alessandro Sangiorgi, buscando o equilíbrio das sonoridades de intensa emotividade dramática, no entremeio de passagens de suave lirismo, para que as partes vocais se destaquem em completa unicidade rítmica, numa ópera verista em que  a música é também parte fundamental da trama dramática. Extensivo aos ecos de bastidores, além  palco, através do Coro do Municipal, no tão evocativo “a bocca chiusa” e  sua melodia sem palavras.

A soprano Eiko Senda, experiente de longa data no papel titular, aprimorando cada frase com seu registro agudo irreprimível e um pianíssimo sensitivo ao lado de seu forte presencial dramático. Desde sua ária “Un bel di vedremo” aos seus duetos com o tenor lírico Matheus Pompeu (Pinkerton), este de timbre consistente entre os registros médio e agudo e atendendo bem às exigências de seu personagem. 

Quanto a Inácio de Nono, na noite de estreia, logo que entrou em cena, demonstrou uma ligeira oscilação nas nuances dramático-vocais como Sharpless, mas acabou superando uma aparente insegurança no decorrer da ópera. Valendo destacar ainda uma reveladora atuação da mezzo soprano Luciana Bueno em suas ocasionais intervenções no papel de Suzuki.

Embora aos mais tradicionalistas, a pesada ambientação no Japão pós-hecatombe atômica, possa talvez causar certo incômodo, esta é uma tendência atual nos palcos mundiais de ópera para superar uma já datada pulsão temática meramente colonialista da versão original de 1904.

Com assumido enfoque político/social a uma masculinidade tóxica, sob a preconceituosa e abusiva visão da condição feminina, no contraponto imperialista entre a civilização ocidental e as tradições milenares do Oriente...

 

                                               Wagner Corrêa de Araújo

   

Madama Butterfly está em cartaz no TMRJ, em horários diversos e dois elencos alternativos, desde o dia 21/11 até o próximo domingo, 30/11, às 17hs


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