TEATRO DECOMPOSTO : DESFIGURANDO A AÇÃO DRAMATÚRGICA CONVENCIONAL SOB METAFÓRICA VERBALIDADE


Teatro Decomposto. Matéi Visniec/Dramaturgia. Ary Coslov/Direção Concepcional. Novembro/2025. Nil Caniné/Fotos.


“Não, eu não acredito que podemos entender tudo. Não acredito que tenha um sentido em tudo que contamos” (Matéi Visniec). Estas palavras enunciadoras definem o processo de criação do dramaturgo franco-romeno enquanto conceitualizam bem sua peça Teatro Decomposto ou Homem-Lixo, original de 1993.

Depois de algumas de suas adaptações para os palcos brasileiros, incluindo especialmente as virtuais no período pandêmico, esta obra de Visniec tem um caráter singular em sua proposta autoral inovadora, sendo classificada por ele como um texto modular ou um espetáculo dialógico de monólogos.

Priorizando apenas uma única exigência - a liberdade sem limites aos seus encenadores, não só na escolha múltipla entre o total de 24 narrativas modulares dramatúrgicas, como numa opcional encenação, sempre no formato de protagonizações monologais, em que as falas podem incluir a participação de outros atores.

Toda esta estética colocando Matéi Visniec na linhagem do legado de grandes autores do teatro do absurdo, desde seu conterrâneo Eugène Ionesco passando, ainda, por Samuel Beckett, Harold Pinter e Edward Albee. Sendo considerado o mais recente deles como um característico “enfant terrible” do teatro contemporâneo.  

Dando continuidade às inúmeras montagens em nossos palcos das obras de Matéi Visniec, a maioria delas sempre com aplauso da critica e do público, Ary Coslov realiza uma das mais surpreendentes representações da temporada 2025 com a peça titulada Teatro Decomposto, sob acurada tradução de Luiza Jatobá.


Teatro Decomposto. Matéi Visniec/Dramaturgia. Ary Coslov/Direção Concepcional. Com Júnior Vieira, Marcelo Aquino, Guida Vianna, Miguel Borges, Dani Barros.  Novembro/2025. Nil Caniné/Fotos.


Não só por sua inventiva direção concepcional, como pela presença de um elenco de notáveis de duas gerações do teatro carioca e brasileiro, a saber - Guida Vianna, Mário Borges, Marcelo Aquino, Dani Barros e Júnior Vieira.  Além de reunir uma artesanal equipe técnica-artística, indo da iluminação ao figurino, mais a direção de movimento e preparação corporal.

O essencialista preenchimento da caixa cênica acontece através de uma mesa frontal e cadeiras laterais, de onde se desloca o elenco ou ecoam falas complementares ao dimensionamento da performance. Sob uma sempre qualitativa iluminação de Aurélio de Simoni, em que prevalece o equilíbrio entre efeitos ambientais vazados e, vez por outra, marcações focais.

O preciso uso da direção de movimento (Lavínia Bizzoto e Alexandre Maia) nos quadros cênicos transmutando o espaço num território de simultâneos delírios verbais, sincronizados pela unicidade de indumentárias formatadas como uma espécie de macacões em tons neutros, em outro destes acertos do figurinista Wanderley Gomes.

Onde cada ator exerce sua veemência personalista em textos/módulos que viabilizam temas sinalizados pela incomunicabilidade, confinamento, opressão, angústia, consumismo. Tratados, aqui, numa construção fabular, no entremeio do drama burlesco e de um riso sarcástico no entorno da condição humana, imersa em no sense onírico de pesadelo e caos.   

Ficando difícil destacar qualquer um dos intérpretes sem falar dos outros, todos eles sintonizados sob potencial impacto na personificação  da contundência de situações, ao mesmo tempo absurdas e reflexivas, indo do irracional à tensão dos transes humanos.

Na expressiva maturidade de Guida Vianna sequenciada numa mesma vibração pela densidade  de Mário Borges, extensiva à envolvência da linguagem atoral de Marcelo Aquino aos instintivos recursos performáticos de Dani Barros e a reveladora convicção do talento de Júnior Vieira.

Tudo convergindo para o luminoso resultado da concepção direcional imprimida por Ary Coslov, em provocador inventário dramático sob  contraponto crítico, no alcance de um incisivo jogo teatral ao vivo, ecoando o ideário estético-político do livre exercício da construção teatral de Matéi Visniec : “Eu me considero um autor de um teatro engajado que não faz parte da indústria do divertimento e busca acordar as consciências dormentes”...

 

                                            Wagner Corrêa de Araújo  

       

                                                                                                            

Teatro Decomposto está em cartaz no Teatro da Casa Laura Alvim/Ipanema, sextas e sábados às 20h; domingo, às 19h; até domingo, 30 de novembro.  

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