Foto João Júlio Mello. |
De origem judaica, a pensadora alemã Hannah Arendt (1906-1975), que preferia se auto denominar de cientista política antes de filósofa , teve um papel fundamental na difícil travessia entre as duas grandes guerras e nos contraditórios períodos que lhe sucederam.
Desde seus anos anos de formação escolar já demonstrava seu diferencial de intelecto crítico em posturas pouco comuns à condição feminina de seu tempo. Apaixonando-se por seu professor, o filósofo Martin Heidegger , entre aluna e amante, fez deste convívio um aprendizado para sua superlativa independência comportamental e de livre pensar.
Sua primeira tese filosófica escapa de seu signo judaico ao incursionar pelo conceito do amor cristão segundo Santo Agostinho.Mas, após sua prisão pela Gestapo ,consegue evadir-se de um campo de extermínio, chegando a Nova York, onde , com a cidadania norte americana, vive até o fim, ao lado de seu marido, o também cientista político, Heinrich Blucher.
Passando ainda pela polêmica mundial causada por sua postura de comiseração durante o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, justificada pelo desafio das palavras e do conceito do que ela chamou de "banalidade do mal ", quando implacáveis forças externas inviabilizam a opção por uma conduta moral .Mas lembrando , com ênfase, de que o "abdicar de pensar também é crime".
"Por Amor ao Mundo - Um Encontro com Hannah Arendt" conduz , mais uma vez, o texto dramatúrgico de Marcia Zanelatto ao notável alcance de equilíbrio entre o desnudamento da verdade e a transcendência poética na revelação do feminino. Mesmo avançando num campo mais árido e mais sujeito ao didatismo ao expor, cenicamente, as nuances abstratas das teorias filosófico/políticas.
O que poderia , dentro da sistemática de um teatro de tese e quase didático, dificultar a interatividade palco/plateia na quase inércia da ação narrativa diante de um fluxo de ideias mais capaz de levar à reflexão que à pura emoção.
É, então, nesta hora que o firme comando de Isaac Bernat não deixa fragilizar a estrutura dramática sabendo bem como dosar a palavra expositiva com funcionais recursos cênicos.
É, então, nesta hora que o firme comando de Isaac Bernat não deixa fragilizar a estrutura dramática sabendo bem como dosar a palavra expositiva com funcionais recursos cênicos.
E para isto conta com uma simples mas sensível cenografia ( Doris Rollemberg) quase uma paisagem de sonho,onde o ator bailarino Michel Robim contrapõe palavras e gestos, na sua dupla função de narrador e intérprete simultâneo dos personagens masculinos ( Heidegger e Heinrich Blucher) , os amantes de Hannah Arendt( Kelzy Ecard) . Postura dúplice ,comissionada também à atriz Carolina Ferman, em correto desempenho como a mãe da protagonista, além da companheira , não titulada, de uma viagem e da escritora Mary McCarthy.
O elegante recato dos figurinos tornados quase atemporais (Desiree Bastos) encontra seu espaço adequado dentro do preciso desenho das luzes ( Aurélio de Simoni) , sob sutis incidências sonoro/vocais ( Alfredo Del-Penho) , com ressonâncias, ainda, na singularidade gestual( Marcelle Sampaio).
Mas é a intensividade da entrega emotiva de uma atriz como Kelzy Ecard, com seu habitual porte de maturidade,que promove o deciframento de uma emblemática personalidade , entre a aridez dos reveses de seu destino e o legado de pensamento de incrível coerência com a problemática da contemporaneidade.
Capaz de servir de mote ao belo mas ,antes de tudo , necessário eco dramatúrgico de Marcia Zanelatto contra todas as formas da destituição do ser humano, a partir da simbológica lição de Hannah Arendt:
"Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história".
Wagner Corrêa de Araújo
POR AMOR AO MUNDO -UM ENCONTRO COM HANNAH ARENDT , em nova temporada, no Teatro SESI /Centro/RJ, segundas e terças, às 19h30m. 60 minutos. Até 6 de Junho.
Um comentário:
Parabéns pelo novo Blog!!!
Postar um comentário