Foto de Kelson Spalato |
Quando Lygia Fagundes Telles publicou seu romance As Meninas
( 1973) vivia-se o apogeu da ditadura militar, com todas as suas formas de
opressão sobre as liberdades e as consciências individuais. Tais reflexos se
faziam sentir especialmente sobre a juventude , criando um clima de
perplexidades e indagação sobre as posturas comportamentais e no próprio comedimento da expressão de um
livre pensar filosófico, moral ou político.
Na época, o livro surpreendeu pela ousadia de tratamento de
um tema quase considerado tabu pelos princípios que regiam o sistema político –
o conflito em que foi mergulhada toda uma geração de jovens diante do que
acontecia ao seu redor, tanto nos circuitos familiares como no âmbito social.
Naquele momento
difícil, mais que nunca era fundamental o papel de conscientização
exercido pela palavra literária , confirmado pela própria autora, Lygia
Fagundes Telles em fundamental depoimento:
“A função do escritor? Escrever por aqueles que não podem
escrever. Falar por aqueles que muitas vezes esperam ouvir da nossa boca a
palavra que gostariam de dizer. Comunicar-se com o próximo e, se possível,
mesmo por caminhos ambíguos, ajudá-los no seu sofrimento e na sua esperança”.
Ambientada nos típicos pensionatos cristãos para moças de
fino trato, instituições que perderiam posteriormente sua funcionalidade, a trama
romanesca mantém esta característica na versão dramatúrgica de Maria Adelaide
Amaral “As Meninas”, com sensível direção e concepção cênica de Yara de Novaes.
Lia ( Silvia Lourenço), estudante de ciências sociais tornada
ativista política, Lorena ( Clarissa Rockenbach), integrante de uma clã
paulista quatrocentona, mas envolvida com um homem casado, e Ana Clara( Luciana
Brites) , de infância conturbada , idealizando o amante perfeito mas encontrando
apenas um traficante que a faz dependente da cocaína ,estas são as três personagens protagonistas.
Mas a cena é dividida,
ainda, com Clarisse Abujamra( mãe de
Lorena) , Sandra Pera ( Irmã Priscila) e Daniel Alvim, alternando-se nos papéis
masculinos. A ambientação cenográfica, com sóbrias cadeiras brancas e a
discrição dos figurinos, tem a chancela de André Cortez , com precisas nuances
da iluminação(Juliana Santos) e das incidências musicais( Dr. Morris).
A coesa performance do elenco favorece a transposição textual
num linguajar mais direto , com acurada teatralização do tempo narrativo , mantendo
a expressividade do romance original , em equilibradas passagens entre a dramaticidade e o irônico humor.
Méritos da superlativa condução de Yara de Novaes na descoberta
de fórmulas capazes de superar , criativamente, o estado fronteiriço ficção literária/
realismo teatral. Onde a verdade de cada
personagem é atingida plenamente na
paixão de Lorena, nas tensões de Lia , nas incertezas de Ana Clara, nas ilusões
da freira e na segurança da mãe .
A excepcional adaptação de Maria Adelaide mimetiza, com
dignidade, o plano episódico onírico em original foco cênico . Fazendo, assim, ecoar na contemporaneidade, a proposta reflexiva de Lygia Fagundes Telles em
torno daqueles anos sombrios de censura
e medo:
“Para mim, a maior
virtude humana é a coragem(...)Não qualquer coragem, mas o gesto aberto o
desprendimento, a liberdade de dizer sim ou não”.
( AS MENINAS está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo, terças e quartas, 21h. Até o dia 28/0utubro)
( AS MENINAS está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo, terças e quartas, 21h. Até o dia 28/0utubro)
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