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TIMON DE ATENAS. Outubro de 2014. Foto / Dalton Valério. |
O personagem e o tema que conduzem ao enredo dramatúrgico de
Shakespeare em Timon de Atenas vem
de referencias clássicas da literatura e da filosofia greco-latina. A peça é
uma das menos conhecidas e menos representadas do bardo inglês em seu formato
clássico, sendo inclusive atribuída grande parte de sua autoria ao seu
contemporâneo Thomas Middleton.
São estes fatores que fizeram deste Timon de Atenas um dos textos mais adaptados a outros contextos, em
relevantes montagens contemporâneas que vão do teatro shakespeariano de Stratford-upon-Avon a Peter Brook. Sendo a mais recente em
2012, pelo London National Theatre,
que serviu de esteio para a versão brasileira, com a concepção e comando de
Bruce Gomlevsky.
Concentrando sua ação praticamente na conduta de um nobre
cidadão ateniense do terceiro milênio respeitado, no seu staff e na comunidade urbana, por seu comportamento permanentemente
aberto a benfeitorias, benesses e empréstimos financeiros. Tudo pelo dinheiro, sempre de um para todos.
E atendendo a esta frenética demanda de ascensão popular, só
quando lhe faltam os recursos, em tempo de queda, é que se sente vitima
solitária de interesseiros e bajuladores, subitamente desaparecidos no consequente estado de miséria e terror.
Com seu sotaque tragicômico, o texto traz uma amarga reflexão
sobre a mediocridade da condição humana diante da finitude da grandeza de Timon (Vera Holtz), que é apenas
materializada pela ótica do interesse pessoal e do egocentrismo.
Para acentuar a centralização do personagem protagonista, os
outros atores são como coadjuvantes classificados em ordem de importância mais
pela atividade profissional que exercem (poetas, filósofos, pintores,
senadores, criados, cobradores, ladrões e prostitutas) que por sua nominação.
Tudo acompanhado da bela criação visual de Helio
Eichbauer, com a incisiva trilha de Marcelo Alonso Neves, a climática luz
(Elisa Tandela), mais o acerto dos figurinos (Rita Murtinho).
Além da boa surpresa das falas envolventes em performances
como as de Tonico Pereira (o filósofo) e do contraponto feminino de Alice
Borges (a criada), embora sem evitar um certo e quase incomodo conflito de
épocas, no entremeio do texto original e da ambientação cenográfica.
Mas na medida das medidas, todos os olhos restam hipnotizados, isto sim, com a exacerbada presença cênica de Vera Holtz no papel titular, através de sua expressiva dualidade interpretativa,
entre o inicial e carismático lado magnata e, a posteriori, no cruel status de
vítima potencial da ingratidão.
Diversos são os códigos teatrais adotados pela jovem e
talentosa cia Os Trágicos em seu
primeiro espetáculo profissional, depois de muitas travessias experimentais
pelos espaços urbanos.
No entusiasmo de uma ideia de inicialização, ainda em tempos de formação
acadêmica, na transposição do “pocket
theater” do inglês Tom Stoppard – “Hamlet em 15 Minutos”.
Onde os cinco atores (Diogo Fujimura, Gabriel Canella,
Mathias Wunder, Pedro Sarmento, Yuri Ribeiro), optaram por uma criação
coletiva, com orientação textual e seguro comando cênico de Adriana Maia.
Surgindo, assim, Hamlet ou Morte! que, ao ultrapassar o sintético quarto de hora sugestionado pelo dramaturgo inglês de nossos dias, faz uso introdutório de um longo preambulo autoral, capaz de transmutar a proposta num
espetáculo único com original fusão e dinâmica artesania teatral.
A trama dramatúrgica se desenvolvendo em duas dimensões, de
um texto secundário a um texto principal. Partindo da prisão do grupo de
vagabundos trapalhões, acusados de infringências sociais entre roubos e dolos, e que para escaparem de uma condenação capital buscam a salvação numa
representação do Hamlet para a
rainha.
Em concepção cenográfica minimalista com incidentais
objetos e despojados figurinos (Adriano Ferreira), que funcionam bem como
disfarces e travestimentos referenciais da época elisabetana.
Sem fugir de irônicos tons de uma certa atemporalidade a montagem mostra, ainda, um
score musical de improvisos, ora num teclado ora à capella, via fanfarras labiais dos próprios atores.
Com suas peripécias cômicas e expressiva gestualidade num
permanente clima de sátira, paródia e inteligente humor, o elenco alcança, em
sua perceptível espontaneidade criativa, o equilíbrio ideal entre o caráter
meramente lúdico e a entrega artística.
Neste embate virtuosístico, em que cada um deles revela uma
personalista e singular performance no ato de assumir duplos personagens, surpreende o jogo do teatro dentro do teatro, tornando de intensa interatividade o diálogo com
cada espectador.
Capaz de impulsionar, nesta fusão cena e plateia, uma risível
adesão a uma “trágica comédia” e conduzindo, afinal, ao pensar reflexivo do próprio Shakespeare de que “o mundo todo é um palco e todos os homens e mulheres não passam de
atores”.
Wagner Corrêa de Araújo
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HAMLET OU MORTE! Julho de 2015. Foto / J. Sucupira. |
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