UMA RELAÇÃO PORNOGRÁFICA. Outubro de 2014. Foto / Pedro Damásio. |
Original de 2003, o texto teatral do belga - iraniano Philippe Blasband, Uma Relação Pornográfica, fez sucesso numa adaptação
cinematográfica de Frédéric Fonteyne,
com roteirização do próprio dramaturgo.
Enquanto no filme o encontro de dois desconhecidos, com
finalidades puramente sexuais, acontecia a partir de anúncios de uma revista
masculina, na atual versão teatral, numa contextualização com os tempos da
internet, este contato é resultado de um site de relacionamentos.
Com sensitiva direção de Victor Garcia Peralta, a montagem
faz uso do título apelativo, sob contextualização sexual, para criar um original e criativo
conflito a partir de uma concepção cenográfica recatada (Victor Peralta / Guilherme
Leme), onde a primazia absoluta é da palavra, sem qualquer gestual que implique na exclusiva erotização dos comportamentos.
Começando pela sobriedade dos figurinos (criação dos próprios
protagonistas) onde o casal porta trajes formais como se estivesse
participando, numa quase proposital referência simbológica, de um cerimonial de
casamento.
Completando-se a proposta minimalista com a plasticidade
visual de apenas duas cadeiras ressaltadas por uma iluminação focal (Maneco Quinderé) capaz
de sustentar, em propício clima emotivo,
o tom confessional assumido pelos atores e que a trilha de Marcello H pontua com precioso acerto de acordes.
Nesta narrativa dramática, desenvolvida sempre na primeira
pessoa, a experiência de um dúplice compartilhamento, ao sugestionar crua sexualidade,
jamais revela a intenção de estabelecer uma sólida relação afetiva.
O texto é construído com um linguajar direto, sem quaisquer
artifícios, mistérios ou duplos significados, atingindo por sua eficaz
simplicidade o gosto do público, nesta sua interação com pessoas comuns, sem
identidades especiais e presentes no cotidiano de cada um de nós.
Com personagens que, enfim e imediatamente, são identificadas
com esta situação de relacionamentos solitários, mais sexuais que amorosos,
advinda do frio universo tecnológico virtual, propiciando, isto sim, um carente
e vazio sofá analítico.
E mostrando, ainda, com as sutis e emocionais interpretações
de Ana Beatriz Nogueira e Guilherme Leme Garcia, a tentativa de suprir, a
qualquer custo, as privações amorosas. No solitário embate da condição humana
diante de um “mundo vasto mundo”
onde, ao contrário da lição do Poeta maior, ficam menores os corações diante
de um deserto sem fim...
Elo fundamental na teoria psicanalítica de Jacques Lacan, marcada pelo significado
e pelo significante verbal e filosófico do
Em Nome do Pai, este vir a ser da
paternidade diante do núcleo familiar se desdobra, ali, entre o simbólico, o
imaginário e o real.
Um pensar vazio e sem ecos - no que se refere à sua efetiva
aplicação à própria e primeira família constituída deste intelectual mor na
cultura da segunda metade do século XX.
Onde a sua partida do lar, súbita e sem volta, criando uma sensação
de desafeto no abandono da mulher e de três filhos pequenos, acaba por afligir
de forma contundente a caçula Sibylle.
Acentuando-se mais ainda, entre o ciúme e a mágoa, pela
especial atenção que este pai célebre só logra conceder à filha única do segundo
casamento - Judith. Uma dor que vai atravessar décadas até a morte auto provocada de Sibylle,
aos setenta e três anos (2013), por excessiva ingestão de remédios.
E pouco mais de duas décadas após o dramático desabafo confessional
no livro Um Pai (Puzzle), que inspira o titulo da peça homônima, com
brilhante adaptação dramatúrgica do cineasta Evaldo Mocarzel .
Com sutil ambiência cenográfica (Marcelo Lipiani), quase
soturna em suas tonalidades negras, no recatado clima de luz e sombras (Maneco
Quinderé) e nos elegantes tons discricionários dos figurinos (Marcelo Olinto).
E destacando, sobretudo, por sua rara particularidade de alcançar uma transcendência
ímpar, a seminal performance solo da atriz / personagem Ana Beatriz Nogueira.
Estabelecendo, aqui, uma visceral interação reflexiva com a
plateia, ainda que presa à aridez de um depoimento verista e sem concessões ao
sentimentalismo, neste seu clamor de não querer ser apenas uma filha a mais de
um pai distante.
A permanente linha inventiva da direção conjunta - Guilherme
Leme Garcia/Vera Holtz, concentra os olhares no sensório gestual da
protagonista e no equilibrado palpitar das palavras, entre a dor dos afetos
negados e o grito de revolta.
Completando a superlativa estética do espetáculo, a música
incidental (Andrea Zeni/Zélia Duncan) tece precisos fios sonoros de
exteriorização das vozes secretas de Sibylle
Lacan:
“Quando eu nasci, meu
pai não estava mais conosco. Até poderia dizer que, quando fui concebida, ele
já estava em outro lugar [...]. Sou o fruto do desespero. Alguns dirão que sou
fruto do desejo, mas não creio nisso...”
Wagner Corrêa de Araújo
UM PAI - PUZZLE. Fevereiro de 2015. Foto / Marcelo Corrêa. |
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