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RENATO VIEIRA CIA DE DANÇA - POEIRA E ÁGUA. Dezembro de 2014. Fotos / Bruno Veiga e Guilherme Licurgo. |
“O artista é habitado
pelos movimentos da vida de seu tempo, cuja imagem simbólica exprime”(Mary
Wigman).
Esta emblemática frase da coreógrafa alemã, no apogeu de mágico
trabalho à frente de sua escola na Dresden anos 20, é uma referência que pode
ser aplicada à mais nova criação da Renato
Vieira Companhia de Dança – “Poeira e Água”.
Partindo de conceitos estético/filosóficos que vão de Platão
e Santo Agostinho ao signo chinês do tratado Hong-Fan, a inventiva coreografia em dúplice concepção (por Renato
Vieira e Bruno Cezario) faz uma envolvente incursão na poética do homem e o
tempo, em alegorias expressas através do corpo no espaço .
O acertado figurino em tons negros (com exceção das cores
crepusculares no luminoso epílogo) e as sugestivas máscaras/capacetes são de
Bruno Cezario, que também realizou uma inspirada montagem com Vivaldi através da obra Recomposição Contemporânea de Max
Richter, num score com sotaque de música ambientalista.
E que, ainda, tem as precisas modulações claro/escuro das
luzes (Binho Schaefer) que destacam sobremaneira a composição cênica da
montagem.
O elenco (Bruno Cezario, Soraya Bastos, Fabiana Nunes, José
Leandro, Tiago Oliveira) imprime o ritmo emocional preciso à proposta
coreográfica na largueza dos gestos arrancados do chão para o alto, numa
configuração plástica de arrebatada energia.
Entre cenas de conjunto, duos e solos, fica marcado um
sincronismo de performances, onde há momentos de absoluta precisão num clima
gesticular que, indo além das palavras, arrasta estes bailarinos, da
ancestralidade como ícaros, a um voo
contemporâneo de aves solares.
Há que se lembrar sempre a habitual seriedade desta Cia. na
apropriação da linguagem contemporânea, onde uma sólida base acadêmica não
permite concessões à mera gratuidade do instantâneo, fato de comprovada
constatação em sua trajetória.
E que tem seu lavor artístico na rígida arquitetura do
escultural coreográfico, promovendo, conceitualmente, em Poeira e Água, a conjugação entre o movimento corporal externo
voltado para a realidade cósmica e a incitação às viagens interiores pelos
espaços siderais da mente.
Quando o compositor francês Darius Milhaud, em sua passagem pelo Rio, deixou como um dos
legados uma suíte de danças para piano, entre o tango e o samba -Saudades do Brasil (1920) - sua evocação
de paisagens cariocas era carregada de lírico substrato de nostalgia.
Este não é, certamente, o retrato da natureza em Cândido Portinari, com sua
secura de corte de lâmina, não existindo também qualquer quietude no operário
de Chico Buarque, atropelado na contramão e atrapalhando o trânsito.
E é destas ultimas imagens que Alex Neoral, à frente da Focus Cia de Dança, resgata a proposta
estética de sua mais nova concepção coreográfica – Saudade de Mim.
Aqui, retirantes e operários esquecem suas carências materiais
e amorosas nos botequins e folguedos populares, enquanto esquálidos corpos
ganham sua única e definitiva morada sob sete palmos de terra.
Seus bailarinos expressam um mundo de sombras em gestual
cotidiano carregado de significados internos. Ou celebram coletivamente a
alegria da luz, em tempo de quadrilha e forrós.
Com emotivos duos e solos revelando, em dança com teatralidade, as
experiências humanas, ora das misérias da seca e da fome, ora dos amores
fraturados ou daqueles que partem sem possibilidade de volta.
Corpos contorcidos em movimentos inclinados trazem referencias
das técnicas de respiração de Martha
Graham, refletidas em rostos sofridos como máscaras teatrais, sempre de
apurada construção cênica.
Onde os figurinos (André Vital) e a ambientação cenográfica (Márcio
Jahu) são acertados medida por medida na configuração do universo pictórico de
Portinari, sob os gradativos nuances - claros/escuros - da iluminação de Binho
Schaefer.
Destaque ainda para o score musical (Felipe Habib), se
equilibrando da pura sonoridade vocal da obra de Chico Buarque à envolvência de
arranjos camerísticos, com sotaque contemporâneo.
Enfim, uma arquitetada interação coreográfica de movimentos,
cores e sons, entre o realismo e a abstração que, dançando a vida e a morte, faz
de Saudade de Mim um destes raros presentes da temporada coreográfica de 2014.
Wagner Corrêa de Araújo
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FOCUS CIA DE DANÇA - SAUDADE DE MIM. Novembro de 2014. Foto / Paula Kossatz. |
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