A PROSTITUTA RESPEITOSA. Dezembro 2014. Foto / Eduardo Moraes. |
Filósofo, dramaturgo, romancista, Jean Paul Sartre escreveu A
Prostituta Respeitosa no pós guerra
(1946) abordando, em compasso de
denúncia, o racismo no sul dos Estados Unidos, nos embates entre a protagonista
Lizzie e os acusadores, amantes e
vítimas, fazendo uma incisiva metáfora, carrascos/colaboracionistas, da
resistência francesa diante da ocupação nazista.
A prostituta Lizzie
(Anita Terrana) sabe que o culpado de um crime é um branco e não um homem negro
(Claúdio Bastos) que ela no início acolhe, sendo tomada pela dúvida, a seguir, diante de
possíveis vantagens que possa auferir de seu relacionamento com o novo e jovem cliente
(Thiago Detofol) filho de um político e
senador (Sérgio Fonta).
A peça conserva no elenco os atores Anita Terrana e Sérgio
Fonta, da montagem anterior dirigida por Sílvio Guindane, mas a concepção
cênica é bem diferente na segunda versão, sob o comando concepcional de Marco
Aurélio Hammelin.
Com plástica reconstituição cenográfica em tons realísticos e cotidiana indumentária (Marcelo Marques) sustentadas na ambiência decadentista de uma suíte sexual, a peça mostra uma superior maturidade
do elenco nesta sua segunda temporada.
Thiago Detofol revela maior segurança no alcance do personagem
em relação à primeira encenação, enquanto Anita Terrana expõe novas nuances
interpretativas e evolutivo equilíbrio gestual como a prostituta, diante das mais recatadas atuações de Claudio Bastos e Frederico Baptista.
Quanto a Sérgio Fonta, este continua exibindo seu excepcional
naturalismo na convicta performance do senador Clark,
mantendo um destaque primordial nas duas versões do clássico texto de Sartre.
Rever Sartre, neste momento, é referencial e reflexivo,
diante da necessidade de não compactuar com os absurdos da realidade política
brasileira, onde a vantagem é sempre superior à ética.
E, afinal, não deixando também de ser um ato libertário, pois nas lúcidas palavras sartrianas, o que ‘’o
teatro pode mostrar de mais emocionante é o caráter no ato de formar-se, o
momento da escolha, da livre decisão que empenha uma moral e toda uma vida”.
O FUNERAL. Dezembro de 2014. Foto / Tatiana Farache |
Integrante e um dos idealizadores do movimento
cinematográfico Dogma 65, o dinamarquês Thomas
Vinterberg polemizou com seu filme Festen
(1998), aqui sob a titularidade de Festa de
Família, pela crueza de sua visão punk,
por trás das portas da tradição, dos laços parentescos e da propriedade
patrimonial.
Adaptado aos palcos por David
Eldridge, teve sua primeira versão brasileira (2009), por Bruce
Gomlevsky, agora, por ele retomada com uma dúplice proposta dramatúrgica,
incluindo outro texto do mesmo Vinterberg
– O Funeral.
No primeiro módulo, com a comemoração dos 60 anos do
patriarca Helge (Jaime Leibovich),
quando se reúnem sua mulher Else
(Xuxa Lopes), os filhos Christian (Bruce Gomlevsky), Helene (Luiza Maldonado) e Michel
(Gustavo Damasceno), além da mulher e da filha deste último.
E é no desenrolar de um banquete que Christian devassa um segredo escabroso, capaz de desnudar todos os
preconceitos, as hipocrisias e a progressiva decadência de uma até então “respeitável família”.
Daí em diante sucedendo-se, num clima perturbador, referencias a racismo,
pedofilia, ciúmes, traições e suicídio.
O patético desfile de casos de família se acentua no verismo sem qualquer disfarce do segundo
módulo – O Funeral, quando no
velório do patriarca Helge, dez anos depois, vem a tona um fato mais bizarro
ainda, envolvendo desta vez o primeiro acusador (Christian) abusando do
sobrinho, apenas uma inocente criança (Raul Guaraná).
A cenografia tem uma estética crua (Bel Lobo), com
ambientais efeitos de luz (Maneco Quinderé e Elisa Tandeta), adequados
figurinos atemporais (Ticiana Passos) e eficaz score musical (Marcelo Alonso
Neves). Tudo acentuando verticalmente uma árida temática dark conduzida, aqui, com absoluta maestria por Bruce Gomlevsky.
Que, por outro lado, conta com atuações viscerais de um
elenco de craques capaz, em suma, de manter uma tensão emocional que contagia,
inebria, incomoda, provoca e faz refletir atingindo, com sua voltagem
permanente e afiada de corte laminar, a apatia do mais plácido dos
espectadores.
Wagner Corrêa de Araújo
O BANQUETE. Dezembro de 2014. Foto / Tatiana Farache. |
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