STANDBY. NEDERLANDS DANSE THEATER. Foto / Pieter Offringa. |
Como manter acesa a chama na peculiaridade das artes cênicas
sem o elemento presencial palco-plateia que arrasta em processo ritualístico, no
entremeio da expressão estética e do élan emotivo, atores, bailarinos, músicos
e espectadores? Como atuar em área, agora potencialmente tornada de risco por suas
perigosas proximidades corpóreas, na
instantaneidade de contágio exterminador no ar?
Perguntas sem respostas imediatas mas que em fértil e emergente
busca investigativa no métier artístico tem, por vezes, encontrado bravas saídas em meio a outras
tantas, quase sempre reiterativas na expressão alegórica do isolamento social e do distanciamento
físico.
Como o incrível caso da infalível fábrica de ótimos produtos coreográficos nas seis
décadas de atuação da NDT - Nederlands Danse Theater, de onde surgiram e por
onde passaram alguns dos significativos nomes que concorreram radicalmente
para o mais inventivo e avançado ideário de dança moderna e contemporânea.
Desde seus primeiros anos contando com Rudi van Dantzig, Hans
von Manen, Glen Tetley, Jiri Kylian, com passagens por ali, de nomes básicos como William Forsythe, Mats Ek, Ohad Naharin e Crystal Pite. Além, é claro, de um casal parte da história da própria cia
holandesa – a catalã Sol León e o inglês Paul Lightfoot que, completando cerca de 35 anos na NDT, viu interrompida pelo surto pandêmico a sua própria festa de
despedida definitiva da Cia.
Mas que não deixando por menos, reunindo elementos da NDT-1 e
da NDT-2, ensaiaram e disponibilizaram, a partir de julho, pelos meios virtuais, a dúplice proposta com
as imperdíveis coreografias Standby,
de Paul Lightfoot, e She Remembers, de Sol León.
Em Standby, numa
simbológica titularidade que remete a um tempo de espera, fazendo uma
requintada e ao mesmo tempo provocativa releitura, à luz da contemporaneidade,
do vocabulário clássico. A partir da livre inspiração na coreografia Études, do dinamarquês Harald Lander, uma espécie de guia composicional
para treinamento cotidiano da técnica clássica.
Nesta primeira obra dando energizada aula gestual com impressionante apuro e precisão de uma movimentação corpórea de bailarinos, quase nunca se tocando fisicamente sob marcas limitativas solares, numa despojada caixa cênica ressaltada por efeitos luminares.
Nesta primeira obra dando energizada aula gestual com impressionante apuro e precisão de uma movimentação corpórea de bailarinos, quase nunca se tocando fisicamente sob marcas limitativas solares, numa despojada caixa cênica ressaltada por efeitos luminares.
Já em She Remembers,
Sol León faz uma metafórica alusão personalista
a um momento de despedida e de lembranças de cinco solistas prestes a deixarem
a NDT à procura de novos rumos para
as suas vidas. Com extratos de obras de Haendel
e Max Richter e a envolvência de um sotaque
dança-teatro com largo uso de efeitos cinemáticos e sutil referencial imagético
expressionista.
Mas enquanto a NDT,
à sua maneira, resiste, à onda avassaladora do vírus, conseguindo escapar com
raro brio à brusca interrupção de seu projeto coreográfico, os brasileiros se
fazem representar através de uma luta insana agravada com o corte de patrocínios
e a insensatez de um governo que, antes de tudo, despreza a cultura.
Mesmo assim, há que se ressaltar duas qualitativas criações que, a duras penas, conseguem dar um grito de apelo e de alerta pela sobrevivência do
oficio coreográfico no caos politico e sanitário. Estamos falando de uma apresentação autoral-solista
de Denise Stutz e de uma performance individual simultânea para sete bailarinos idealizada em
processo coletivo junto com Alex Neoral à frente da sua Focus Cia de Dança.
3 SOLOS EM 1 TEMPO. DENISE STUTZ. Foto/Sesc Divulgação. |
Em 3 Solos em 1 Tempo,
Denise Stutz numa tripartida síntese de antigas criações, faz um sensitivo acerto de contas
crítico com sua trajetória de artista e mulher. Em espaço neutro que não remete
nem a um palco nem a uma esfera claramente de habitat, lembrando mais, talvez, um pequeno estúdio.
Onde ela promove uma interativa incursão performática do
teatro à dança, entre palavras memoralísticas intermediadas com simplificados movimentos do mais puro gestualismo, conectados aos devaneantes acordes pianísticos do Debussy de Clair de Lune. Dando,
sobremaneira, um visceral mas também reflexivo testemunho, didático e poético, de
sua vida de bailarina, atriz e coreógrafa.
Enquanto Corações em Espera, da Focus Cia de Dança, traz implícito um significativo enunciado da incerteza
na expectativa do questionador momento que vive a criação artística brasileira.
Devastada pela indiferença de uma governança sob o signo do retrocesso e de
todas as formas de preconceito e obscurantismo que vão muito além da cultura.
Aqui os sete bailarinos em atuações solo (Carolina de Sá, Cosme Gregory, José Villaça,
Márcio Jahú, Marina Teixeira, Monise Marques e Roberta Bussoni) interagem diretamente
de suas ambiências residenciais em diferentes cidades. Com absoluta funcionalidade na execução de
streaming (José Villaça), adequada indumentária cotidiana (Roberta Bussoni) e antológico
score sonoro (Alex Neoral), indo de Eric
Satie a Orestes Barbosa, incluindo de harmonias orientais a sonoridades pop/rock/eletro-acústicas.
Em preciso intercâmbio de similaridades gestuais e
coincidente paisagismo cênico, na plasticidade conferida aleatoriamente a simples elementos de décors domiciliares que configuram uma complexa pulsão de linguagens artísticas.
Mostrando na integralização estética da proposta um recado de esperança, icônico desejo amoroso de isolados Corações em Espera pela ansiada reconciliação social com o exercício coreográfico no compasso do espetáculo ao vivo.
Mostrando na integralização estética da proposta um recado de esperança, icônico desejo amoroso de isolados Corações em Espera pela ansiada reconciliação social com o exercício coreográfico no compasso do espetáculo ao vivo.
Wagner Corrêa de Araújo
CORAÇÕES EM ESPERA. FOCUS CIA DE DANÇA. Foto / Marian Starosta. |
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