É na adolescência que surge a embriaguez das paixões, da
descoberta do corpo com tudo o que este possa simbolizar. Do prazer sexual a
todas as formas de expressão e de comunicabilidade, como a pulsão criativa. Muitos destes jovens se entusiasmam com
os exercícios de jogos lúdicos ou dramáticos no universo escolar, apostando no
ato da representação cênica como ideário da sua auto transformação em pequenos
galãs, heróis ou líderes de turma.
Mas por uma ironia, na ambiência prática da arte do palco, o
teatro para e por adolescentes é o que mais enfrenta percalços. Suas temáticas
e suas formas performáticas não pertencem ao mundo das crianças, plateia
exclusiva das sessões vespertinas das peças com seus "aí foram felizes para sempre".
Por outro lado, esta formatação cênica não tem espaço no
horário noturno, de preços mais avançados e com privilégio quase que absoluto
do público adulto. E o próprio adolescente não o prestigia, preferindo gastar
sua mesada com shows ou em bares e discotecas, no lugar dos espetáculos teatrais. Inibindo até mesmo o investimento de autores e diretores nesta seara
dramatúrgica, o que acaba se refletindo na programação das temporadas com suas
raras apostas no gênero.
Mas como toda regra convive com a exceção surgem, vez por
outra, surpresas como “Garotos”, um
contraponto masculino à já clássica “Confissões
de Adolescente”, de Maria Mariana, ou “Meninos
e Meninas", textos de Leandro Goulart que vem entusiasmando as
plateias juvenis de todo o Brasil, em suas inúmeras e bem sucedidas turnês.
O segredo da fórmula é a conjunção da temática com a música,
mantendo a intrínseca estrutura de uma encenação teatral aliada ao sotaque pop/rock da diversão prioritária da
juventude - o show musical. Sabendo, ainda, expor de forma descolada as
reflexões, ansiedades e segredos do mundo adolescente, sem a preconceituosa
tendência de se ficar preso ao politicamente correto.
Em “Meninos e Meninas”,
repetindo a trilha de “Garotos”, com um elenco
equilibrado de revelações da novíssima geração de atores, a maioria
profissionalizada através da televisão, do cinema ou do próprio teatro, aqui sob
dinâmico comando paralelo do autor Leandro Goulart ao lado de Afra Gomes.
Há que se destacar ainda a iluminação de Luiz Paulo Neném,
fundamental para estabelecer os climas emocionais, entre as ilusões e a
realidade, do vir a ser adolescente. Que, ao lado do dinamismo imprimido pela
boa criação gestual de Anna Magdalena, conta ainda com propícios figurinos, com
um sotaque pop/teen de Renata
Grimberg.
Mesmo com sua maior experiência de palco e vídeo, Anna Rita
Cerqueira, Douglas Sampaio, Eduardo Mello, Gabi Cavalcanti, Ingrid Klug, João
Fernandes e Lucas Cotrim, não retiram o brilho próprio dos outros integrantes menos
experientes do elenco que, também, já começam a colher todas as flores e frutos
encontrados neste caminho de descobertas.
E é nesta fábrica cênica de sonhos, decepções e surpresas,
revelações e atitudes, onde cada um destes “Meninos e Meninas”, ébrios de arte
e vida, no palco tornam factível o sábio pensar filosófico/poético de Goethe -
“A juventude é uma embriaguez sem vinho”...
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MÚSICA PARA CORTAR OS PULSOS. Março de 2015. Foto/Divulgação. |
A breve e cotidiana história de Felipe que amou Isabela, que também desejava Ricardo que preferiu trocar seu namorado por Felipe, que acabou não mais amando Isabela, inspirou os dez quadros com sotaque de solilóquios, que levaram ao Música Para Cortar Os Pulsos, de Rafael Gomes.
Um original enredo dramatúrgico do jovem autor paulista que,
desde 2010, vem envolvendo e encantando públicos de todas as idades, apesar da exclusiva identidade temática com o universo de 20 anos dos três personagens.
Aqui sua linguagem direta, sem cair nas armadilhas da pieguice,
fala do mais comum do sentimento amoroso. Suas dúvidas e certezas, surpresas e
decepções, encontros e partidas, em forma confessional e numa nuance cênica
isolada em nichos. Mas que, aos poucos, promove uma saudável interação juvenil entre estes três atores/personagens.
Enquanto Isabela
(Júlia Stockler) quase domina a cena com a superlativa condução de seu
personagem, Ricardo (Felipe
Salarolli) assume uma sutil discrição na exposição da insegurança de sua
identidade sexual, ficando para Felipe
(Hugo Carvalho) o ponto focal de equilíbrio com a simplicidade psicofísica de sua
postura comportamental.
O minimalismo da concepção cenográfica (Diego Fonseca), os cotidianos
figurinos (Nathalia Amorim), sob adequada iluminação (Francisco Hashiguchi) e acerto
da música incidental (Fábio Gesteira/Vitor Barbosa) alcançam ideal confluência
estética no comando concepcional de Rafael Salmona.
Os dois famosos Andrades, o Mário e o Carlos, já tinham se
aventurado pelo “amar verbo intransitivo”,
definindo-o, com abstrato sentir poético, não importando seu destinatário,
objeto ou sujeito. No embate palco e plateia, buscando a lição do poeta maior,
“se os olhos se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta”...
este pode ser, quem sabe, o referencial para esta boa surpresa autoral da
novíssima dramaturgia brasileira.
De Alan Bennett, o
conceituado dramaturgo britânico do qual tivemos recentemente em nossos palcos
a peça Retratos Falantes, é o texto com
similaridade titular ao filme Fazendo
História, de Nicholas Hytner, em 2006, inspirado também no enredo autoral. Abordando o sistema educacional
inglês, muito distante do nosso, tem seu foco na jornada preparatória
de oito alunos para o ingresso no tradicional e rigoroso sistema universitário
de Oxford e Cambridge.
Na sua progressão dramática, mostra ainda a presença dos
professores Hector (Xando Graça), Irwin (Mouhamed Harfouch) e Dorothy (Nedira Campos), além do diretor
escolar (Edmundo Lippi), conduzidos por Gláucia Rodrigues, em acertada estreia
no ofício de maestria teatral.
Em clima de polêmica provocação, os dois professores
estabelecem uma discussão demolidora do status quo do que seria ali o ensino
médio. Irwin assumindo um método didático
de rigorismo renascentista sem, no entanto, deixar escapar uma sensível nuance
ao aproximar dos alunos, com um aporte filosófico, os grandes temas de caráter
histórico.
Por outro lado, Hector
aprofunda uma maior liberdade de exposição que estimula o diálogo, chegando a
tocar a fundo questões da sexualidade quando, sem nenhum pudor, oferece carona
em sua moto, não escondendo suas segundas intenções eróticas. O comportamento
leva a uma crise com a direção conservadora e à interferência do único elemento
feminino Dorothy.
Mas é a inquietante postura de Hector que prevalece sobre a mente de alunos avessos a posturas
preconceituosas e contamina inclusive o posicionamento erudito mais arredio de Irwin, quebrando os seus limites com um
vir a ser mais pop, onde até o
simples ato do tirar os óculos tem nele um contexto subliminar de inusitada
ação sexual.
Com uma sóbria cenografia (José Dias) na ambiência de únicos elementos materiais serem cadeiras e um piano mais os uniformes figurinos escolares (Dani
Vidal/Ney Madeira), além da iluminação mais aberta (Rogério Wiltgen), há ainda
uma pontual e envolvente trilha ao vivo (Hugo Kerth e André Arteche).
Ressaltando sempre um bom confronto de jovens atores e experimentados
intérpretes, da especial performance de André Arteche entre os alunos (Hugo
Kerth, Guilherme Ferraz, Helder Agostini, Rafael Canedo, Renato Góes, Ricardo
Kennup, Yuri Ribeiro) à madura atuação, do outro lado, de Xando Graça e
Mouhamed Harfouch.
Afinal, é nesta escola onde os desafios existenciais são apreendidos
sob uma metodologia escolar de forte componente artístico, sob uma contestadora
didática que só estimula a criatividade, tornando mais incisivo e provocador o conceitual
poético de Murilo Mendes de que “a
erudição é a capitalização do
supérfluo”...
Wagner
Corrêa de Araújo
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FAZENDO HISTÓRIA. Novembro 2014. Foto/ Guga Melgar. |
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