FOTOS/ DALTON VALÉRIO |
“O dever do artista não
é o de mostrar como são as coisas verdadeiras e sim o de mostrar como
verdadeiramente são as coisas”. ( Bertolt Brecht).
Princípio filosófico e estético do teatro político brechtiano, aplicável à provocante versão titular para o palco de Memórias do Esquecimento, do premiado livro do jornalista e escritor Flávio Tavares, na
dramaturgia direcional e performática de Bruce Gomlevsky.
Publicado e premiado na passagem para o terceiro milênio, emblematicamente
representou a redenção para o pesadelo que seu autor viveu como vítima da ditadura
militar, desde a sua primeira prisão (1964), seguida de outros amargos
confinamentos entre o Brasil e o Uruguai, perda da cidadania, exílios e, enfim,
a anistia, quinze anos depois.
Relato doloroso pelo detalhamento descritivo das horas
de tortura física e psicológica diante dos algozes nas prisões brasileiras e
uruguaias. Impressionando por seu discurso, desnudado de quaisquer artifícios de
edulcoração, enunciativo dos mecanismos de opressão nos subterrâneos da longa jornada noite a dentro de um regime extremista.
Ao assumir sua dúplice adaptação dramatúrgica (ao lado do
valioso suporte de Daniela Pereira de Carvalho), Bruce Gomlevsky alcança um
significativo substrato cênico, de corajoso psicologismo e energizada
fisicalidade, no verismo cru e na visceral interatividade com aquelas trágicas passagens da vida de Flávio Tavares.
A ambiência solitária, sugestionando uma claustrofóbica câmara de tortura, com ausência de quaisquer artifícios salvo uma cadeira, é delineada por um desenho de luz focal entre sombras (Russinho), de incisivo efeito sobre a face do ator
(B. Gomlevsky) paramentado com sóbrio e cinzento recorte indumentário (Maria Duarte).
Na impactante progressividade
dramática de um corpo imóvel, com sequenciais variações dos olhares de espanto às expressões de massacre, se estabelece a narrativa
de resistência de um sobrevivente
resgatado das adversidades do passado pelo inventário memorialista.
Remetendo a referenciais do teatro documentário de Erwin Piscator
e do teatro político de Bertolt Brecht, com seu engajamento na representação da
insensatez do poder e da avassaladora
coação sobre a liberdade das escolhas ideológicas, na difícil dicotomia
comportamental entre a obediência ou a rebelião.
De presencial contraponto critico, demolindo qualquer
acomodação lúdica do espectador e obrigando-o a se posicionar reflexivamente.
Em convicto distanciamento de quaisquer mistificações e devaneios, numa
teatralidade com intervenção direta em nossos
corações e mentes.
Mais que precisa para tempos de perigosa desconstrução de perspectivas politicas, entre ameaças totalitárias
e utópicas soluções, onde o seu enfrentamento está no redefinir verdadeiramente as coisas e no começo transformador de uma subversiva revolução
dentro de nós.
Wagner
Corrêa de Araújo
MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo,
de quinta a sábado, às 21h; domingo, terça e quarta, às 19h. 90 minutos. Até 28
de outubro.
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