CÉUS : COMO UMA FACA NO PESCOÇO

FOTOS / LÉO AVERSA

“Um artista é um besouro que encontra nos excrementos da sociedade  os alimentos necessários à produção das obras que fascinam e revolucionam seus semelhantes”.

Esta reflexão do dramaturgo libanês-canadense Wajdi Mouawad marca sua tetralogia - “Sangue das Promessas”- ao cruzar segmentos ligados à origem filial perdida, aos embates pela conservação da identidade e aos extermínios  nas guerras político/religiosas.

Estreada em 2009, no Festival de Avignon, a quarta peça – Céus - é permeada pelo cruel questionamento da iminência dos terrorismos sombrios  e das contradições da condição humana entre o bem e o mal, entre a percepção da beleza e o confronto da morte.

Ao contrário de Incêndios, o mote aqui não é a exploração do microcosmos de  um tempo familiar passado, mas do que está por vir no macrocosmos do  próprio destino civilizatório.

A tragicidade metaforizada no que vem dos Céus incursiona por uma narrativa de mistérios , indagações  e pistas, buscadas numa resignificação da tela A Anunciação , de Tintoretto. Onde os querubins seriam os arautos  do terrorismo se opondo à redenção da “merda  do mundo" pelo parto, de  um Salvador nascido da Virgem, ou pela  arte como única luz na escuridão.

Reunidos numa espécie de bunker, sem clarificada  localização física e cronológica, estão cinco personagens de especificidades tecnocráticas, através de um elenco de exemplar representatividade, no seu  dimensionamento psicológico e na sua presencial fisicalidade.

Na frieza calculista de Blaise Centier(Isaac Bernat), no amor paternalista de Charlie Eliot Johns(Charles Fricks),nos abafamentos  secretos de Dolorosa Achê (Silvia Buarque), no escárnio mordaz de Vincent Chef-Chef(Rodrigo Pandolfo) e na interiorização da dúvida em Clément Szymanovsky ( Felipe de Carolis).

E que, cercados de recursos computadorizados  de última geração,convictos implodem pensamentos e atos, na tentativa de bloquear a ameaça de um  nascituro ataque de células  islâmicas.

Completando a performance, em projeções alternativas , as falas do suicida Valéry Masson(Aderbal Freire –Filho desdobrando-se no comando diretorial da peça)  e do pré-adolescente Viktor Eliot Johns( Antônio Rabelo), simbolizando a adesão de uma juventude vitima e algoz de uma guerra ideológica, sem eiras nem beiras.

Revelando, ainda, uma  arquitetura sólida em seus elementos técnicos,  do realismo cenográfico((Fernando Mello da Costa), direto e seco, à composição dos figurinos (Antonio Medeiros). Como no alcance da envolvência  das  projeções e efeitos visuais(Maneco Quinderé) e do incisivo sotaque da trilha sonora ( Tato Taborda).

Com uma gramática teatral arrojada de pulsão cinematográfica , o comando mor de Aderbal Freire –Filho está sintonizado entre a expressão do caos civilizatório da contemporaneidade e o resgate pela  contemplação estética.

Onde materializa, reflexivamente, as palavras de Wajdi Mouawad:

O artista, tal qual um besouro, se nutre da merda do mundo, para o qual ele trabalha, e deste alimento abjeto faz jorrar a beleza”.


CÉUS está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo, de quinta a sábado, 21h;domingo, às 19h. 100 minutos. Até 18 de dezembro.

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