FOTOS /VÍTOR MANO |
“Não ter raízes significa
não ter no mundo um lugar reconhecido e garantido pelos outros; ser supérfluo significa
não pertencer ao mundo de forma alguma” , esclarecedor pensar de Hannah Arendt sobre um dos
mais trágicos contextos que afligem a humanidade – o trauma da imigração.
Quando partir para o estrangeiro, em caráter definitivo, não
é uma questão opcional, mas forçada por razões políticas, religiosas ou étnicas
e o fugitivo é um proscrito em seu país de origem e um marginalizado na terra
que escolheu.
O que faz constatar uma singular ocorrência nos palcos
paulistas e cariocas com uma pulsão incursional em tema de tanta essencialidade. Especialmente
no momento em que o Brasil já conta com mais de oito mil refugiados, por barbarismos
político/religiosos ou absoluta impossibilidade de sobrevivência material.
Abordagens afetivas e nostálgicas,ora com um profundo e
melancólico lirismo, como foi o caso de Brimas,
de Beth Zalcman e Simone Kalil, em 2015 , sob o prisma árabe/judaico e sob o acerto do comando de Luiz Antonio Rocha.
Ou, mais recentemente, em dois espetáculos que vieram da Paulicéia,
com enfoque entre a reflexão poética sobre costumes culinários e lembranças da geração
ancestral dos avós, refletidas num solilóquio feminino (pela envolvente performance de Valéria Arbex) em Salamaleque, com direção segura de Denise Weinberg e Kiko Marques.
E, ainda, Cartas
Libanesas, inventário memorialístico de um imigrante em 1914 , do seu
aporte ao país adotivo à sua descendência, numa formato monológico de sotaque mais leve e bem humorado (com atuação de Eduardo Mossir, dramaturgia de José Eduardo Vendramini e Marcelo Lazzaroto na direção).
E, agora, com RJ
Refúgio, numa encenação mais documental insuflada pelo pesadelo
confessional de três atores(Elise Garcia,Ériko Carvalho,Conrado Dess, este
último dublê de autor/diretor) e dois amargos depoimentos de imigrantes(Hadi
Bakhour e Tresor Muteba).
Se, por um lado, o enredo carece de ritmo e progressão dramática , quebrando as
nuances de tensão com o despropósito da cena de um jogo lúdico com a plateia, e
aconteçam falhas ocasionais no alcance vocal do elenco, interferindo no domínio da
unidade interpretativa.
Em contraposição, há uma sintonização sóbria, na linha diretorial de criação coletiva(Grupo Performatron) proposta, com o drama do “não lugar” destes personagens
realistas, na dor da transitoriedade de vidas provisórias, entre a solidariedade
e a exclusão.
Onde o palco , ao expor a crueza destas narrativas de exílio,
cumpre enfim , uma necessária postura de resistência, denúncia e reflexão sobre
este grande mal.
No seu eterno retorno ao fatal status de náufragos sem identificação, impedindo-os , repetindo Arendt, de “não
pertencer ao mundo de forma alguma”.
RJ REFÚGIO está em cartaz no Espaço Sesc/Copacabana, de quinta a domingo, às 19h. 80 minutos. Até 16 de outubro.
RJ REFÚGIO está em cartaz no Espaço Sesc/Copacabana, de quinta a domingo, às 19h. 80 minutos. Até 16 de outubro.
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