FOTOS/PAULO URAS NETO |
O que liga as intrigas políticas, artísticas e
comportamentais da corte francesa de Luís XIV com o anárquico status presente em certo país, sem eira nem beira tentando reencontrar uma saída cívica para os desmandos e
desvios do poder estatal, sob ameaça do retrocesso falso moralista e do obscurantismo artístico?...
Sem se ater a convencionalismos na elaboração de um retrato
fidedigno da trajetória e do tempo monárquico de um mentor mor do teatro e da comédia clássica, a peça musical “Molière”, da dramaturga mexicana Sabine Berman, acaba estabelecendo um contraponto critico entre a França
setecentista e o Brasil contemporâneo.
Na pulsão do incisivo élan satírico/inventor de seu comando
diretor e concepcional, em multifacetado cruzamento de linguagens artísticas, por Diego
Fortes. Em espetáculo que peca apenas pela falta de uma maior concisão na sua textualidade narrativa.
Com muita irreverência e espírito anárquico mas sem desconectar-se daquela histórica realidade biográfica e factual em torno de um conflito entre os que mandam e os que devem
obedecer, entre o pensar livre, a criação artística e a submissão, pelo favoritismo
da Casa Real, aos parâmetros sociais/ regimentais
estabelecidos.
Onde, atendendo aos caprichos absolutistas de um Rei Sol(Nilton Bicudo) e à manipuladora
égide censora na figura do Arcebispo Péréfixe(Renato Borghi), a montagem usa e abusa do burlesco e do deboche, fazendo rir para
provocar, através do questionamento, a reflexão libertária.
Ora exacerbando as contradições da prevalência, no gosto
popular e no sucesso fácil, da comédia sobre a tragédia.Ora no postural irônico
com que Molière(Matheus Nachtergale) contextualiza seu desmerecimento pelos cânones do trágico em Phedra, de seu rival Jean Racine (Elcio Nogueira Seixas), com o
prestígio da lúdica comicidade de seu Tartufo.
Em espetáculo de progressão narrativa não rigorosamente
linearizada e acrescido de personagens mais ficcionais como Gonzago(Georgette Fadel) um intrigante
acólito/bufão de Péréfixe. Aos quais se juntam, em compasso de potencializada
luxúria caricatural, as cortesãs Madame Parnell
(Regina França) e Mademoiselle Du Parc (Debora Madame Veneziani) .
Mais outras duas extravagantes estilizações, indumentárias (Karla
Girotto) e aderecistas (Raphael Hubner), na artesania atoral tanto de Jean
de La Fontaine por Rafael Camargo como a do próprio Rei Sol( Nilton Bicudo), ambos com suas perucas carnavalizadas com euforia barroco/tropicalista e toque
fantasioso de seres fabulares com referencial das estórias encantadas do celebrado escritor francês.
Sem esquecer o exotismo alterativo na dupla personificação de
Luciana Borghi, como a esposa de Molière e como a Rainha Mãe. Como também a
intervenção de outro contemporâneo em Versalhes, o compositor Jean
Baptiste Lully , aqui representado pelo multitecladista (piano,cravo e
órgão) Fábio Cardoso, um dos integrantes do staff sonoro sob a direção de
Gilson Fukushima.
Havendo boas soluções musicais, com temas a capella e
instrumentais, de Henry Salvador a Caetano, culminando no recitativo vocalizado
de Coração Vagabundo por M. Nachtergaele. Com recato no arcabouço cênico (André Cortez/Carol Bucek) de
um pequeno palco dentro de outro e estruturas móveis, o desenho luminar vazado
não tem grandes avanços em suas modulações ambientais.
Acompanhado da veemência dramático/autoritária conferida por Renato Borghi à representação das sagazes artimanhas de seu papel, além da indisfarçável verdade que Élcio Nogueira Seixas traz a um personagem de voraz ambiguidade na sua oblíqua escalada para ocupar o território teatral do opositor Jean-Baptiste Poquelin, vulgo Molière.
Wagner Corrêa de Araújo
MOLIÈRE está em cartaz
no Teatro Adolpho Bloch/Glória/RJ, sexta e sábado, às 20h;domingo, às 18h. 120
minutos. Até 02 de setembro.
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