FOTOS/ NANA MORAES |
Nas antigas salas de aula das instituições educacionais com direcionamento
religioso havia jogos didáticos , de evidentes propósitos de exaltação aos princípios
de moralismo autoritário, onde
repetia-se em uníssono perante o professor – “eu sou eu, tu és tu, nós não somos nós, somos tu”.
Ainda que não haja uma identidade imagística única, física ou
psicológica e, mais além, do racial/antropológico
ao étnico, do político ao cultural. E é assim que se configura o
instigante processo investigativo da criação dramatúrgica de Grace Passô, Nadja
Naira e Márcio Abreu, com direção deste
último, para Preto.
Mas já no prólogo torna-se presencial o percurso anticonvencionalista,
desde uma narrativa não sequencial e sem rigorismos temáticos, ao minimalista aporte
cenográfico(Marcelo Alvarenga), nas mutações posicionais de uma extensa mesa
branca ocupada pelo recato de um copo
com água e um microfone.
Materializando, discricionariamente, a palestrante(Grace Passô) para a escuta de fala fragmentária direcionada para uma amplificada visualização frontal de
seu rosto, sob ascético desenho de luz(Nadja Naira) focado em alterativos truques
cênicos palco/plateia.
Completada pela diversidade pigmentária de um coeso elenco
meio a meio, branco e negro, conduzido
prioritariamente por uma visceral Grace
Passô, seguido pelo carisma de Renata
Sorrah e complementado pela duplicidade genético/racial de um energizado quarteto
de atores (Cássia Damasceno, Felipe Soares, Nadja Naira e Rodrigo Bolzan).
Em potencializado gestual(Márcia Rubin), equilibrando-se
ora pelo coloquialismo verbal, ora por aliterações linguísticas e variações
tonais, há um prevalente teor de happening na performance, de indumentária cotidiana(Ticiana Passos), com implícito
suporte dos efeitos sonoro/musicais de Felipe Storino.
Como o impactante
sensorial da coreografia de mascaração e luta em compasso de ringue. Ou a
evocação provocativa do discurso de denúncia, a uma só voz(Cássia Damasceno) e múltipla microfonia, às pulsões oponentes às diferenças .
Reiterativo das sempre inusitadas investigações no comportamental
cênico/dramático assumidas pelo comando diretorial de Márcio Abreu, na
continuidade ao seu característico sotaque experimental/inventivo frente à Companhia Brasileira de Teatro e de seu
Projeto Brasil.
Mas que, na sua sintonização estética com a contemporaneidade teatral
e no seu investimento ideológico, pelo livre confronto com as desigualdades,
dialoga com o Preto que integra o
complexo racial pátrio enquanto afronta a negra
realidade que assola o País:
“Para que servem nossas
respostas que falam sobre nós. A quem? Quem são os corpos que ouvem isso? Essas
palavras fazem agir? Amanhã o teu cabelo vai gritar alguma coisa? Teus braços,
teus pés e mãos? Quem vai abrir mão para dividir? E nós? Vamos ter fôlego para
plantar em cada comunidade, em cada reunião, alguma ação?”...
Wagner Corrêa de Araújo
PRETO está em cartaz no Teatro 3 , Centro Cultural Banco do Brasil/RJ, de quarta a domingo , às 19h30m. 90 minutos. Até 11 de março.
Nenhum comentário:
Postar um comentário